ARTIGO – Reforma do processo administrativo

Rafael Arruda, doutorando em Direito Público pela UERJ, é procurador do Estado

Por Rafael Arruda, Procurador do Estado de Goiás

Recentemente, Senado e Supremo Tribunal Federal instituíram, conjuntamente, Comissão de Juristas para a modernização da legislação de processo administrativo. Ao racionalizar e simplificar o processo administrativo, a pretensão, como bem se percebe, é a de desafogar o Judiciário. Com efeito, questões e controvérsias resolvidas administrativamente junto aos Poderes Públicos, notadamente em matéria de direito administrativo e previdenciário, põem fim a disputas de direito público, sem necessidade de intervenção judicial.

Em Goiás, a Lei estadual nº 13.800/2001 repete, em linhas gerais, os termos da sua homóloga federal, a Lei nº 9.784/1999, aplicável aos órgãos e às entidades da União. Os aprimoramentos que, porventura, venham a incidir sobre a lei federal poderão, por certo, ser oportunamente aproveitados pelo legislador goiano, sob a perspectiva de evolução da qualidade do processo administrativo, que, com efeito, ocupa papel central na teoria do direito público. E diferente não poderia ser, já que a tramitação que a Administração Pública adota para formar as suas decisões assume relevância garantística para os cidadãos.

Assim, antes de mais, é necessário que o processo administrativo seja atrativo e dotado de qualidade, de modo a fazer com que os administrados se contentem com o resultado da processualidade levada a cabo pelo Poder Público. Várias iniciativas são cabíveis: uma modelagem de procedimento eletrônico mais acessível pode constituir importante estímulo, por meio, sobretudo, de plataformas de governo digital.

Além disso, um banco de decisões administrativas sistematizadas, ao conferir maior racionalidade ao agir da Administração, pode produzir um importante efeito orientativo e de transparência. Ainda neste sentido, a disponibilização de modelos ou formulários padronizados para assuntos que importem pretensões equivalentes denotaria um importante movimento de simplificação administrativa, dentre várias outras medidas, atinentes, por exemplo, à disciplina do silêncio administrativo.

Enfim, há um conjunto de providências de aperfeiçoamento das leis de processo administrativo (federal, estaduais e municipais), que, no limite, são tradutoras da participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes digam respeito. Afinal de contas, tão importante quanto o conteúdo da decisão é o procedimento que conduziu à sua formação em Estado de Direito administrativo.

Fonte: Jornal O Popular

ARTIGO – Indignação, indigna nação

Por Carla Von Bentzen, Procuradora do Estado de Goiás

O Brasil foi o país que mais recebeu escravizados (aproximadamente 4,8 milhões, quarenta por cento daqueles que desembarcaram nas Américas) no período em que aquela desumanização era legalizada e institucionalizada. Uma vez abolida a escravização, não houve uma política pública capaz de absorver a mão de obra, que foi forçada a sair do seu território de origem, da sua cultura, teve rompidos seus laços familiares e foi submetida a um doloroso processo de subjugação.

Ao contrário deste processo, generosas políticas foram concretizadas para facilitar a vinda de imigrantes europeus e asiáticos ao país, sob a justificativa de que o processo de desenvolvimento seria efetivado somente se houvesse o embranquecimento da população. Várias foram as tentativas de justificar esse período sombrio de dominação, admitindo-se que haveria uma razão científica para uma pretensa inferioridade entre brancos, negros e não brancos.

Por consequência, a ação iniciada há cinco séculos (início da escravização) e a omissão havida há mais de um século reverberam até hoje, pois a inamovibilidade que atinge a população afrodescendente é escancarada a cada pesquisa.

Embora seja a maioria da população brasileira, com o maior contingente de população negra fora da África, o país patina em políticas específicas a essa parcela da população, a qual mais de 80% é dependente do sistema público de saúde.

Desigualdades repercutem na renda média, pois a população branca recebe 40% a mais do que a afrodescendente (cuja desigualdade é ainda maior quando se trata de mulheres negras) e a taxa de desemprego também é maior. Os níveis de analfabetismo (9,1%) e pobreza (22%) são cíclicos a essa parcela específica da população. A participação democrática, por sua vez, é ínfima. A presença de afrodescendentes na estrutura institucional jurídica brasileira é vergonhosa.

Segundo pesquisa apresentada pelo Conselho Nacional de Justiça, o número de juízes afrodescendentes é de 21%. Nos Tribunais, se para as mulheres brancas o teto é de vidro, para as mulheres negras o teto é de concreto: inexiste a possibilidade de se alçar voos maiores, já que existem apenas 45 desembargadoras negras em todo o país, ao tempo da realização daquela pesquisa.

Quando finalmente se realizam políticas de reparação histórica, diante de cinco séculos de completa inanição, a insurgência a sua adoção é desonesta. Quando se iniciou política de ação afirmativa, para reserva de vagas para o ingresso em universidades federais, houve o questionamento de sua constitucionalidade e a discussão sobre a sua real necessidade.

Como visto, inexiste sensibilidade quanto à falta de acesso a parcela racialmente localizada da população. No mês em que se marca como combate à discriminação racial, o mínimo que devemos à nossa democracia é uma reparação histórica concreta.

O Estatuto da Igualdade Racial e demais convenções internacionais ratificadas pelo país já ditam o caminho da transformação estrutural para quem sente na pele os efeitos da negligência. Basta atitude e honestidade para segui-los.

Fonte: Jornal O Popular

Dia da Advocacia Pública: imprensa publica artigo do presidente da APEG, Claudiney Rocha

O Portal Rota Jurídica publicou nesta segunda-feira, 7 de março, Dia Nacional da Advocacia Pública, artigo assinado pelo presidente da APEG, Claudiney Rocha. Leia abaixo o artigo na íntegra.

Por uma advocacia pública forte
É comum, e até natural, para grande parte da população, que as atribuições do advogado público sejam confundidas com as do Ministério Público ou de outras profissões correlatas. Isso tem uma explicação histórica: como até a Constituição Federal de 1934 não havia no Brasil uma estruturação da advocacia pública, esse âmbito de atuação era exercido pelo Ministério Público, ao lado das atribuições típicas daquele órgão. Hoje, Dia Nacional da Advocacia Pública, é oportuno falar sobre isso.

A Carta Magna de 34 inseriu a Advocacia Pública como função essencial à Justiça e lhe facultou a autonomia em relação aos poderes do Estado. Dessa forma, o advogado público passou a ter independência técnico-profissional para o desempenho de suas funções institucionais diante da Administração Pública. Mas foi somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que a advocacia pública ganhou destaque e teve suas atribuições claramente definidas, sendo-lhe conferida a missão institucional de promover a consultoria jurídica e a representação judicial e extrajudicial dos interesses da Fazenda Pública.

É preciso atuar em várias frentes em busca da valorização profissional, seja informando e esclarecendo a população sobre nossa atividade e sua importância para o bom funcionamento da máquina pública e, ao mesmo tempo, fazer valer, junto aos colegas do Poder Judiciário, o pensamento jurídico mais moderno, manifestado em várias oportunidades pelo Supremo Tribunal Federal (STF), salientando a importância de uma advocacia pública forte, como instrumento de garantia da legalidade administrativa e do Estado Democrático de Direito.

Assim, o fortalecimento da advocacia pública reflete o fortalecimento do Estado e acaba por atingir a população de forma positiva, com a consolidação de uma administração pública que combate a corrupção, preocupa-se de forma honesta com o bem público e garante, de forma eficiente, os diretos dos cidadãos. Afinal, é essa a missão da Advocacia Pública.

Claudiney Rocha, presidente da APEG

Artigo – É preciso falar sobre racismo, sempre!

Por Claudiney Rocha, Procurador do Estado de Goiás e presidente da Associação dos Procuradores do Estado de Goiás – Apeg

Novembro é mês da Consciência Negra. Mas não há comemoração e não há eufemismo sobre igualdade que mascare a realidade de um país onde a humanidade não é igualitária. O Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, foi criado para marcar, no calendário anual, um momento para a reflexão e o debate, pois se refere ao dia da morte do líder de quilombo Zumbi dos Palmares, ocorrida em 20 de novembro de 1695, um símbolo da resistência negra na História do país.

Neste mês, é comum o resgate, nas redes sociais, do vídeo do ator Morgan Freeman que, durante uma entrevista, afirma que “para o racismo deixar de existir é só parar de falar nele”. Além da fala equivocada, muitos compartilham, divulgam o trecho do vídeo e reproduzem a fala se colocando numa suposta posição antirracista e mantendo um confortável distanciamento da realidade.

Pensar que “para acabar com o racismo basta não falar sobre ele” parte de um ponto de vista muito particular, desconsidera a História e ignora a realidade da maioria da população brasileira. Não podemos ignorar fatos passados e recentes que desonram a história da população negra. É preciso falar sobre racismo todos os dias, e mais que isso, é preciso entender o racismo real e estrutural que afeta profundamente a maior parte da população brasileira.

O debate precisa ser diário e com profunda consciência das diferenças reais e do papel de cada um na transformação dessa realidade. O Brasil é, hoje, o pior lugar do mundo para um jovem negro viver, e isso não pode ser normalizado. Como não pode ser esquecida, e nem normalizada, a morte de um homem negro por seguranças de um grande supermercado, pelo simples fato de ser negro.

Enquanto houver quem não se levante contra essa realidade ou quem se surpreenda com a existência de negros juízes, médicos, jornalistas, procuradores do Estado (meu lugar de fala), estará claro que ainda temos muito o que conversar, informar e debater sobre o racismo e sobre consciência negra.

Fonte: Jornal O Popular

Em O Popular, Procurador do Estado aborda hipóteses em torno das eleições de 2022

O jornal O Popular traz na edição de hoje (11/09) artigo do Procurador do Estado Corregedor-Geral Cláudio Grande Jr., que analisa, à luz da Constituição, a hipótese de não realização de eleições presidenciais em 2022.

Leia o artigo na íntegra.

Assessoria de Comunicação da APEG | Ampli Comunicação (e jornal O Popular)

Portal Migalhas publica artigo assinado pelo presidente Claudiney Rocha

O Portal Migalhas publicou nesta sexta-feira (27/08) artigo assinado pelo Procurador do Estado e presidente da APEG, Claudiney Rocha, sobre a Reforma Tributária em curso no Congresso Nacional. Confira íntegra do artigo.

Uma reforma tributária tem de ser acompanhada de justiça

Por Claudiney Rocha

O ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou o Projeto de Lei 3887, em julho de 2020, para análise do Congresso Nacional. O projeto apresentava a primeira etapa da Reforma Tributária proposta pelo Ministério da Economia. Em julho de 2021, um ano depois, a segunda etapa foi entregue. 

Em resumo, a primeira proposta cria a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que substitui o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS) e a Contribuição ao Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Já a segunda etapa tem foco no Imposto de Renda e afeta pessoas físicas e jurídicas. 

Profissionais, estudiosos e economistas afirmam mundo afora que um sistema tributário eficiente deve ser simples, desburocratizado, transparente e gradual, ou seja, quem ganha mais deve pagar mais. O atual sistema brasileiro não apresenta essas características. 

Uma boa reforma, seja tributária ou administrativa, deve corrigir distorções e possibilitar o crescimento do país. Uma reforma tributária justa deve ser equilibrada e ter foco na resolução de problemas brasileiros. Não se pode, neste momento de caos social, econômico, sanitário e político usar da justificativa de reduzir gastos públicos, em especial com servidores públicos, para amparar medidas que não surtirão efeito positivo no nosso sistema tributário. 

No Brasil, quem paga imposto de fato é a classe média e os pobres. Os ricos não pagam. Um motociclista de entrega por aplicativo arca com uma alíquota de 2% de IPVA sobre sua moto, enquanto isso jatinhos e iates não são taxados. A boa notícia: ao menos o governo caminhou rumo à Justiça fiscal. Agora resta o Congresso aprovar a proposta de tributação de lucros e dividendos. No mundo, somente o Brasil, a Letônia e a Estônia não tributam lucros e dividendos.

A proposta, no geral, é benéfica para empresas, com redução de Imposto de Renda, mas não lança os olhos nos grandes patrimônios e heranças. Enfim, é preciso mudar a lógica histórica em que os ricos pagam menos impostos que os mais pobres. A Reforma Tributária, assim como a Reforma Administrativa, precisa ser justa.

Fonte: Portal Migalhas

Artigo – Avó é carinho dobrado

Por Iomar David Fonseca

Certa vez, alguém me disse: “Avó é carinho dobrado e criam memórias que o coração guarda”. 

Tenho uma neta de 7 anos, a Jhúlia. Em casa de avó pode-se quase tudo, para os netos. E para matar a saudade da Vó Iomar, a Júlia pediu aos pais que ficassem todos juntos na casa da vovó, porque é um apartamento muito grande. Durante os dias fica com os pais e na escola, onde está tirando notas iguais a da avó, 10, 10 e 10. A partir de 18 horas ela chega toda serelepe na minha casa, me dá um beijo e pede outro. De vez em quando as pessoas perguntam para a Júlia “Você gosta mesmo de sua avó?” Ela disse “Não, eu a amo muito!”. A mãe dela, Cleide, e o pai, Pedro Paulo, falam para ela não ficar na cozinha querendo ajudar a avó, mas ela quer aprender tudo comigo e com a mãe na cozinha! Tempos atrás, ela fez um bolo de chocolate e escreve em cima “Para a minha avó”. 

O amor de avó é puro e sincero. Ninha neta não cansa de perguntar “Vovó, você gosta muito de mim?” E sempre digo que a amo. O dia do meu casamento com o jornalista Joaquim Santana Fonseca foi exatamente no dia 26 de julho, o mesmo dia dos avós. Sinto que sou abençoada por essa data. 

Tive uma avó materna brasileira e uma avó paterna libanesa. Sou a quinta filha de uma família de dez irmãos e meu pai dizia que as filhas mulheres, que eram seis, seriam bem sucedidas na profissão. Eu só não imaginava que seria também bem sucedida na família e principalmente como avó. Sempre fiz caridade e palestras cristãs e acredito que isso me ensinou e me acolheu no papel de avó, como uma pessoa muito querida. 

Quando me diplomei em direito meu pai disse “Agora tenho uma Procuradora, Iomar.”

Eu me sinto feliz em ter ajudado a ABMCJ e pertenço como conselheira fiscal da conceituada Associação, mas o meu maior carinho vai para meu filho Pedro Paulo, minha nora Cleide e principalmente para minha queridíssima neta J-H-U-L-I-A. 

Disse Olavo Bilac “Ora direis, ouvir estrelas”…Disse muitas outras coisas e ao final arrematou: “Só quem ama, pode ter ouvidos para ouvir e entender estrelas”. 

A minha neta é um estrela!  

Iomar David Fonseca, Procuradora Aposentada do Estado de Goiás

Dia do Rock tem artigo do Procurador Wederson Chaves no jornal A Redação

Por Wederson Chaves

Você pode não ser fã de rock, mas com certeza um riff de guitarra matador já mexeu com sua cabeça. No meu caso, me fez querer, aos 13 anos, empunhar uma Gibson ou uma Fender e montar uma banda pra tocar heavy metal ou hard rock. 

A história conta que o estilo nasceu nos Estados Unidos no final dos anos 1940 e início dos anos 1950, e tem como raízes o country, o blues, o R&B e o gospel, mas por ser muito mais que uma mistura desses estilos, o rock se espalhou pelo mundo e mudou radicalmente a relação que temos com a música. 

Muito mais que um gênero musical, o rock catalisou sentimentos de uma juventude que até então só escutava música, e deu voz àqueles que tinham muito a dizer. Assim, permitiu, em uma época pré-internet, que se falasse de angústias existenciais, liberdade, engajamento, de uma maneira nova, inspiradora, transformadora. Por isso mesmo, o rock passou a ser considerado, um estilo de vida, uma filosofia! 

E também não está associado somente à juventude e sua eterna busca por liberdade. É mais que isso. Se todo estilo musical é a expressão de sentimentos, seja ele qual for, o rock, sem dúvida, é um dos mais pungentes, capaz de jamais gerar indiferença. Afinal, o rock sempre carregou na sua essência a inquietação, o desejo de revolucionar. 

Em tempos de youtubers, influencers, politicamente correto e pandemia, muito embora ande meio combalido, sem renovação, o rock continua vivo e busca manter-se relevante para as novas gerações. Prova disso é o fato de que fábricas de guitarra e violões tiveram um boom de vendas no ano passado. E que isso seja um prenúncio de novas bandas, novos subgêneros desse estilo tão inovador e tão amado por tantas gerações. 

Dito isso, nesse 13 de julho, como diria Brian Johnson, vocalista do AC/DC, uma das minhas bandas prediletas de todos os tempos: “For those about to rock: We salute you!”. Saudamos o rock, como diversão, expressão, estilo de vida. 

Não importa se é rock americano, britânico ou brasileiro; se é banda autoral ou cover. Muito embora a gente se divirta comparando Beatles, Rolling Stones, ACDC ou Iron Maiden, eles são incomparáveis e absolutamente únicos. 

Ouça e celebre! Na sua casa, no pub, no carro, em qualquer lugar! 

Long live rock’n’roll!

Wederson Chaves é Procurador do Estado e músico (publicado originalmente no jornal A Redação de 12/07/2021)

OPINIÃO – Ações tributárias: jurisdição, delimitação da causa de recorrer e instrumentalidade

Por Lázaro Reis Pinheiro Silva

O processo judicial não é um fim em si mesmo: ao contrário, encontra sentido enquanto instrumento destinado à solução de um conflito de interesses que lhe serve de antecedente material, constatação que, no âmbito tributário, fica ainda mais evidente quando se tem em conta a relação indissociável entre o estágio do processo de concretização da obrigação tributária e a escolha do instrumento processual adequado à solução do conflito instaurado.

Essa instrumentalidade, conquanto assuma diferente roupagem no plano recursal, não deixa de se fazer presente, afinal os recursos são verdadeiros desdobramentos dos direitos de ação e de contradição, desenvolvendo-se numa mesma relação jurídica formal (processual) e, por isso, também se destinam à solução de um conflito no plano do Direito material, aqui identificado com a crise de exigibilidade do tributo.

Tal afirmação, embora carregada de significativa obviedade à primeira vista, parece encontrar pouca ressonância na prática forense e, sobretudo, na recursal. De fato, aos operadores do direito que atuam preponderantemente em última instância recursal (perante o STF e o STJ) não causaria estranheza a afirmação de que a noção de instrumentalidade se perde em meio às controvérsias de índole eminentemente formal que, abundantes no plano recursal, acabam por inviabilizar o exame do direito material subjacente.

Ocorre que quaisquer esforços de valorização da instrumentalidade processual em grau recursal têm sua eficácia comprometida quando os próprios operadores do Direito, ao lançar mão dos instrumentos processuais recursais pertinentes, ainda perante as instâncias ordinárias, deixam de situá-la adequadamente, o que acaba por convertê-la em mero adereço retórico.

Em primeiro grau, o exercício da jurisdição tem na petição inicial o ato provocativo capaz de transformar em fato jurídico um dado conflito de Direito material que é, em suma, o próprio antecedente material da relação processual. O conflito de Direito material, pois, convertido na própria razão de existir da relação processual e servindo-lhe como ponto de partida, é ao mesmo tempo seu ponto de chegada, à medida que se busca, por meio do processo, a produção de norma jurídica capaz de solucionar o conflito.

Já em grau recursal, a atividade (re)provocativa do exercício da jurisdição, materializada pela minuta recursal, não está voltada senão mediatamente ao conflito de Direito material, tendo, outrossim, objeto imediato distinto, consistente no produto da atividade jurisdicional anteriormente desenvolvida: a decisão impugnada.

No plano abstrato, pertinente à incidência da regra jurídica, opera-se um incremento objetivo da relação processual, cujo antecedente material, já não mais composto apenas do conflito de Direito material, torna-se cada vez mais complexo à medida que se prolonga a cadeia recursal, em razão do manejo sucessivo dos diversos instrumentos recursais postos pelo sistema de Direito positivo. No plano concreto, o conflito de Direito material torna-se cada vez mais distante enquanto objeto de cognição do órgão jurisdicional competente para o julgamento do recurso.

O fenômeno descrito, para além das considerações eminentemente dogmáticas, tem importantes consequências práticas. A principal delas, e da qual aqui nos ocupamos, é a necessidade de escorreita distinção entre a causa de pedir aduzida na petição inicial e a causa de pedir veiculada na petição recursal, melhor nominada causa de recorrer.

Embora a lei processual deixe evidente em diversas oportunidades que causa de pedir e causa de recorrer não se confundem, a experiência demonstra que, no mais das vezes, promove-se verdadeira amálgama de fundamentos nas petições recursais, o que acaba por prejudicar a correta delimitação do objeto dos recursos, e, consequentemente, o adequado exame da pretensão recursal pelo órgão jurisdicional incumbido do seu julgamento, em franco prejuízo à efetiva realização do Direito material.

Assim, quando se focaliza o exercício da jurisdição no plano recursal, é preciso compreender a peculiar forma de manifestação da ideia de instrumentalidade, a reclamar adequado delineamento da causa de recorrer pela parte insurgente (a vencida no processo), capaz de permitir sua correta identificação pelo órgão julgador e, com isso, viabilizar a apreciação efetiva do Direito material controvertido pelo órgão de jurisdição recursal. Significa dizer, por outros termos, que no ato de (re)provocação da jurisdição realizado pela parte recorrente, materializado na petição recursal, portanto, não basta o registro da irresignação, o inconformismo convertido em vernáculo, mas exige, sobretudo, a precisa indicação dos fundamentos em razão dos quais se pleiteia a anulação ou reforma da decisão atacada.

Tomando-se o conflito tributário como pano de fundo, ao agravo de instrumento interposto contra o indeferimento da tutela provisória cautelar que vise à suspensão da exigibilidade, por exemplo, não basta a afirmação de ilegitimidade de exigência do crédito tributário, sendo necessária ainda a indicação dos equívocos do juízo de primeira instância ao apreciar os fundamentos invocados pela parte para não reconhecer a presença dos requisitos para concessão da tutela provisória reclamada. No mesmo sentido, ao recurso de apelação interposto em face de sentença exarada em ação declaratória ou em mandado de segurança preventivo, não basta a indicação dos vícios que eventualmente maculem a regra-matriz de incidência tributária, reclamando-se ainda indicação e a impugnação precisa dos fundamentos que sustentam a conclusão a que chegou o juízo de origem.

O que estamos a destacar é que, para o escorreito desenvolvimento da atividade jurisdicional em grau recursal, não basta a mera reiteração dos fundamentos em razão dos quais afirma-se a frustração das pretensões arrecadatórias ou o exercício abusivo da atividade tributante, conforme se cuide de ações exacionais ou antiexacionais, respectivamente. Para além disso, a petição recursal deve apontar com clareza os erros de procedimento e de julgamento que maculam a decisão recorrida, entabulando com ela uma relação dialética.

Em suma, a relação de instrumentalidade entre o processo e o conflito de Direito material, ao surgir mediada pela decisão impugnada em grau recursal, passa a reclamar adequado posicionamento na crescente complexidade da relação processual, para que, assim compreendida, possa então realizar-se em sua completude.

Lázaro Reis Pinheiro Silva é Procurador do Estado de Goiás em Brasília, mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC/SP, especialista em Direito Tributário pelo Ibet, professor do Ibet e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

ARTIGO – Tempos de austeridade

Por Juliana Diniz Prudente, Procuradora-Geral do Estado de Goiás

De tempos em tempos, faz-se necessária a quebra de ciclos, novos caminhos precisam ser trilhados e novas soluções encontradas. Definitivamente percebe-se o cidadão ávido por austeridade e por gestão pública transparente, eficiente e comprometida com o interesse público.

Em 2019, diante da incapacidade do Estado de Goiás em honrar com seus compromissos financeiros, do atraso da folha de pagamento do funcionalismo público e do desrespeito ao teto de gastos, o ingresso no Regime de Recuperação Fiscal passou a ser medida necessária para fins de equilibrar as finanças públicas e garantir a efetividade das políticas sociais.

É natural que esse novo caminho a ser trilhado em Goiás gere desconforto. Ao lado do desconhecido caminha a ansiedade. Para tanto é preciso confiabilidade na equipe técnica do governo a quem compete a gestão das finanças estaduais.

A despeito da crença limitante de alguns de que o RRF representa delegar a gestão do Estado ao poder federal, conforme previsto na LC 159/2017, ele envolve ação planejada, coordenada e transparente de todo o Estado de Goiás para corrigir os desvios que afetaram o equilíbrio das contas públicas, por meio da implementação de medidas pré-determinadas no Plano de Recuperação Fiscal. Observe-se que este é elaborado pelo governo estadual, oportunidade em que estabelecerá todo o planejamento de reposição de cargos, implementação de direitos dos servidores públicos, dentre outras despesas e investimentos.

Apesar de as discussões serem complexas, simples é o seu fundamento. Da mesma forma que uma empresa em recuperação judicial, um Estado em recuperação fiscal precisa limitar os gastos, planejar criteriosamente a aplicação das suas receitas, tudo em busca da sua saúde financeira para honrar com seus compromissos.

Portanto, diante do esforço da União de refinanciar e alongar a dívida estadual, o objetivo do Plano é basicamente demonstrar que o Estado adotará medidas que permitam o equilíbrio das contas públicas, de forma a não consentir que a despesa volte a superar consideravelmente a receita pública. Simples assim. Planejar, apurar o impacto orçamentário-financeiro, redimensionar diante da frustração de receita, todas as ações que deveriam ser observadas independentemente de qualquer RRF.

Enfim, a decisão de ingressar ou não no RRF perpassa por questões puramente técnicas, não devendo, de modo algum, as discussões migrarem para o debate político.

Fonte: Jornal O Popular

ARTIGO – Interesse da advocacia e cidadania

Por Valentina Jungmann, advogada, mestre e doutora em Direito pela PUC São Paulo, procuradora do Estado de Goiás, professora da Faculdade de Direito da UFG e da PUC Goiás, conselheira federal da OAB, é autora do Projeto Valentina: Paridade Já

Exerço a advocacia há quase quarenta anos, mas comecei a me interessar pela profissão ainda estagiária no escritório do meu avô, Jorge Jungmann, que me ensinou lição que nunca esqueci: o ordenamento presume que todos conhecem a lei, mas só o advogado e a advogada sabem o processo para obter o direito do cliente.

Por isso, sempre fui muito ciente da importância de conhecer as normas processuais, ferramentas indispensáveis ao exercício dessa nobre e essencial profissão.

Quando iniciei na advocacia, vigia o CPC de 1973 e segundo o seu inspirador, o jurista Alfredo Buzaid, muitas regras processuais, no âmbito de cada Unidade Federada, restaram delegadas às legislações estaduais, como o Código de Organização Judiciária de cada Estado e os Regimentos Internos de seus respectivos Tribunais de Justiça.

O tempo passou e um novo Código de Processo Civil foi editado em 2015, revogando integralmente o antigo CPC, ao mesmo tempo em que passou a disciplinar boa parte da matéria que antes era regida, no âmbito dos Estados, por seus respectivos Códigos de Organização Judiciária e Regimentos Internos dos Tribunais de Justiça.

Essa realidade impõe ampla revisão da referida legislação estadual, mediante a edição de novos Código de Organização Judiciária e Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Goiás, temas de grande interesse à nossa classe, por importar em significativos efeitos ao exercício da advocacia.

É bom que advogados e advogadas tomem ciência de que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás constituiu Comissão de Desembargadores com a finalidade de ser formulada uma proposta de redação a esses dois normativos, sendo designado relator o eminente desembargador Amaral Wilson de Oliveira, que já estaria concluindo o seu relatório, a ser brevemente submetido ao Órgão Especial, com a finalidade de encaminhar a mensagem de lei à Assembleia Legislativa de Goiás contendo proposta de reforma do Código de Organização Judiciária e, ao mesmo tempo, aprovar a redação do novo Regimento Interno do Tribunal de Justiça do nosso Estado, em fase de estudos confiados ao juiz auxiliar da Presidência, doutor Aldo Sabino.

O momento é oportuno para a advocacia estadual reivindicar aos eminentes desembargadores integrantes do Órgão Especial a realização de audiências coletivas virtuais, abrindo oportunidade aos advogados e advogadas se manifestarem e apresentarem suas contribuições, ainda que essas se refiram às questões de interesse direto do exercício da advocacia.

No meu sentir, e de forma respeitosa, é imperioso que o Regimento Interno crie regra de procedimento, como por exemplo, uniformizar a forma de as Câmaras Cíveis se conduzirem nas hipóteses de julgamentos não unânimes do recurso de apelação, como previsto no artigo 942, do CPC.

Há colegas que reclamam de condutas diferentes em cada Câmara Cível, inclusive casos de julgamento imediato da divergência na própria sessão em que ela se instaurou, mesmo quando o voto vista é proferido várias sessões após o início do julgamento. O que estaria ocorrendo à míngua da necessária comunicação intimatória desse julgamento aos(às) advogados(as) que atuam do processo.

Nesse caso, a falta de regra comum instituída no Regimento Interno do Tribunal de Justiça estadual acaba por incentivar a interposição de recursos constitucionais, que poderiam ser evitados se as condutas fossem uniformes.

Existem vários outros pontos de interesse comum da advocacia, que precisa iniciar um debate pontual para, em um ambiente de estudos, verificar a pertinência de cada proposta a ser encaminhada pelos advogados e advogadas em colaboração com o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

Fonte: Jornal O Popular

ARTIGO – Vacinação e igualdade

Por Alexandre Felix Gross, Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB é Procurador do Estado

Em um cenário de escassez, a sociedade é colocada diante de decisões trágicas. Esse é o cenário no qual nos encontramos em relação às vacinas para Covid-19. Quem deve ter preferência na distribuição das doses? Quais critérios devem ser adotados para definir a preferência? Quem terá a oportunidade de ser imunizado antes e, assim, ter maiores chances de sobreviver?

Não há respostas simples para problemas complexos. Mas existe uma ideia que deve orientar o debate: os critérios adotados para solucionar as decisões trágicas devem respeitar os valores e acordos morais que compartilhamos enquanto sociedade.

Esses valores estão na Constituição de 1988, que afirma que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, garantido por meio de políticas públicas de acesso universal e igualitário, e que a República Federativa do Brasil tem como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Foram esses valores que inspiraram a construção de um “novo Brasil” em 1988, sobre os escombros de uma ditadura militar que durante 21 anos nos negou a democracia.

Os demais países democráticos compartilham dos mesmos valores. A grande maioria deles adotou critérios objetivos para distribuir vacinas: priorizar os que têm maiores chances de desenvolver sintomas graves e os que têm maior exposição ao vírus, cuja força de trabalho é essencial no combate à doença (profissionais de saúde). São critérios razoáveis, justificáveis em uma sociedade que preza pela igualdade e renega o privilégio injustificado. Nenhum desses países adotou como critério a capacidade econômica de comprar vacinas no mercado privado, e os principais fabricantes, aqueles que produzem os imunizantes mais confiáveis e aprovados pelas principais agências reguladoras, atualmente só negociam com o setor público.

Hoje o mercado de vacinas sofre com intensa escassez e a inclusão do ator privado acabaria inflacionando o preço dos imunizantes, penalizando toda a sociedade brasileira. E isto em razão da mais elementar “lei” econômica, a da oferta e demanda. Enquanto para a iniciativa privada o céu é o limite, o Poder Público é constrangido por limites legais e orçamentários que poderiam retardar ou inviabilizar a compra de vacinas. No contexto global, esse efeito fica ainda mais evidente. Se os países ricos liberassem irrestritamente a compra privada de vacinas, os países mais pobres, incluindo o Brasil, certamente ficariam sem doses.

O critério econômico, ter ou não ter dinheiro, não pode, diante dos valores que compartilhamos enquanto uma sociedade democrática, liberal e igualitária, definir, neste momento, quem recebe ou não a vacina. A vacinação privada, claro, deve ser liberada após a vacinação dos grupos prioritários, quando a situação de escassez não for tão trágica quanto é no momento. A partir daí o papel da iniciativa privada será bem-vindo.

Fonte: Jornal O Popular