ARTIGO – Reforma administrativa e a volta do coronelismo ao Poder Público

Victor Saad Cortez é procurador do Estado de Mato Grosso.

Após longo período de especulação, uma suspensão determinada pelo Presidente da República e muita controvérsia foi, finalmente, apresentada a reforma administrativa capitaneada pelo Ministério da Economia.

A intenção era trazer uma máquina pública mais moderna, eficiente e que prestasse um serviço público de melhor qualidade ao cidadão que custeia a duras penas todo Estado brasileiro. Intenção louvável.

Mas a proposta enviada ao Congresso Nacional não poderia ser pior.

A crítica não se faz apenas em razão de erros formais, de redação ou de técnica jurídica. A crítica advém do fato de que, aprovada a reforma, simplesmente teremos um estado menos eficiente, mais sujeito a interferência política e com mais cabide de emprego.

A começar pelo fato da reforma administrativa trazer a previsão de um período de experiência para ingresso no serviço público.

Hoje, servidores ocupantes de cargos efetivos devem ser aprovados em concurso público e ficam sujeitos a um estágio probatório de 3 anos, durante os quais podem ser desligados da administração de forma simplificada se não tiverem desempenho satisfatório.

Com a reforma proposta, além dos sistemas já existentes, foi prevista uma fase adicional de 1 a 2 anos nos quais os candidatos em número superior ao número de vagas ofertadas já exercerão todas as funções do cargo, porém só será efetivada aquela parcela que se destacou entre os “trainees”, mesmo que não haja comprovação de mau desempenho dos demais[1].

A idéia de uma competição parece excelente, mas a triste realidade da administração pública mostra que os selecionados serão aqueles apadrinhados politicamente ou aqueles que exercem seus cargos sem contestar qualquer conduta do gestor, mesmo aquela de legalidade duvidosa.

A referida reforma ainda acaba com a estabilidade da maior parte dos agentes[2], permitindo que o funcionário já aprovado em estágio probatório seja exonerado mesmo que não tenha cometido infração apurada em processo disciplinar.

A PEC apresentada também propõe novo regramento para os cargos comissionados, agora chamados de liderança, ampliando a possibilidade de indicados políticos ocuparem também cargos “técnicos”, antes restritos a concursados, além de não mais impor que percentual dos cargos de chefia a ser obrigatoriamente ocupado por servidores efetivos[3].

Tanto o fim da estabilidade quanto a ampliação dos cargos de liderança de livre nomeação e exoneração pouco ou nada ajudam na prestação de um serviço público eficiente, mas abrem enorme espaço para desmandos, loteamento de cargos, compadrio e patrimonialismo.

Em interessante artigo sobre a realidade americana, o professor Jon D. Michaels publicou na revista de direito da universidade de Harvard[4] resenha de obra que analisa a evolução do serviço público e conclui que institutos como o concurso e a estabilidade não surgiram por acaso ou por imposição de servidores pouco dedicados ao serviço.

Longe de ser invenção brasileira, normas semelhantes surgiram no mundo todo para evitar que funcionários fossem perseguidos por gestores contrariados em seus desmandos, para trazer forma impessoal de seleção de agentes públicos e para impedir o desmonte da um corpo técnico de servidores a ser substituído por aliados políticos ao fim de cada mandato ou governo.

A todos interessa uma administração mais eficiente, da mesma forma que liberais e desenvolvimentistas, lulistas e bolsonaristas, esquerda, centro e direita concordam que tal objetivo jamais será alcançado com a substituição de um regime que tolhe a independência técnica de servidores, que amplia o espaço para rachadinha de indicados políticos, que legaliza o desligamento do servidor sem o cometimento de falta grave.

Longe de trazer a administração do futuro, a reforma administrativa nos termos apresentados revive a máquina pública do passado, da república velha na qual os coronéis (até hoje circulando pelos corredores dos poderes) escolhem os protegidos que entram na administração por puro arbítrio e selecionam livremente os que, considerados como rivais, serão exonerados ou demitidos sem critério claro.

Para o bem da coisa pública, a reforma não deve prosperar.

Fonte: Apromat

Procurador Alexandre Felix aborda papel das agências de fomento em artigo publicado no Diário da Manhã

Em artigo publicado no jornal Diário da Manhã, o Procurador do Estado Alexandre Felix Gross fala sobre a importância das agências de fomento, em especial a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), para o desenvolvimento e bem-estar da sociedade.

Leia o artigo na íntegra.

Fonte: Assessoria de Comunicação da APEG | Ampli Comunicação (com informações do jornal Diário da Manhã)

ARTIGO – Covid-19: o olhar da Advocacia Pública para o equilíbrio das contas

Por VICENTE MARTINS PRATA BRAGA – Presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape), procurador do Estado do Ceará, doutorando em Direito Processual Civil pela US.

Passados mais de seis meses em que a pandemia decorrente da Covid-19 se espalhou pelo mundo, uma das características humanas que mais ganhou destaque foi a resiliência. A superação é a regra e, na rotina das instituições públicas, não tem sido diferente. São muitos os efeitos negativos da pandemia e eles ainda aumentarão em diversos setores, entre os quais, mais notoriamente, sobressaem-se as implicações nas finanças públicas.

E a urgência na tomada de decisões agrava ainda mais o quadro. Desde abril, foram várias as notícias de operações policiais e investigações derivadas de irregularidades e desvios em compras de equipamentos médicos e insumos. No Rio de Janeiro, o Ministério Público denunciou superfaturamento na compra de 200 mil cestas básicas, ao custo de R$ 21,6 milhões – segundo a denúncia, a compra não passou pela análise da procuradoria do Estado.

No Pará, 152 respiradores chegaram da China totalmente inúteis, ao custo de R$ 126 mil cada – o pagamento de R$ 25,2 milhões foi antecipado. Em Fortaleza, 150 respiradores não foram entregues pela empresa contratada – o capital social dela era de R$ 174 mil, o preço aproximado de apenas um respirador. Situações que jamais passariam na peneira de uma advocacia pública.

Um recurso público mal-empregado vitimiza a sociedade duplamente. Ele não atende as vítimas e onera os Estados em milhões que poderiam estar sendo investidos no combate à doença. A Advocacia Pública tem o desafio de chegar rapidamente às respostas judiciais mais adequadas para as latentes necessidades da população e para as consequências futuras que ainda se arrastarão por um longo tempo.

Além disso, as procuradorias têm atuado na busca de soluções criativas de curto prazo para garantir mais assistência às vítimas da Covid. Em Rondônia, por exemplo, a Procuradoria-Geral do Estado destinou a sobra da arrecadação de 2019 – R$ 83 milhões – para ações de combate ao coronavírus, por meio da suspensão de liminar nº 1337, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em tempos de incertezas, o melhor caminho é o que garante a proteção da sociedade em todos os aspectos, equilibrando as necessidades decorrentes da Saúde e os enormes obstáculos econômicos. Nesse contexto, para subsidiar a atuação das políticas públicas brasileiras, faz-se necessária a atuação de uma Advocacia Pública autônoma e com estrutura suficiente para dar celeridade às análises jurídicas contra arbitrariedades na gestão do patrimônio público.

Para isso, é imperiosa a aprovação da proposta de autonomia funcional dos procuradores dos Estados e do Distrito Federal. Há mais de seis anos, o substitutivo à Proposta de Emenda à Constituição 82/2007 aguarda análise no plenário da Câmara dos Deputados. A pandemia nos mostra que mais do que nunca essa proposta precisa sair da gaveta.

Na adversidade, é ainda mais necessária a segurança para se trilhar o caminho correto. O trabalho autônomo das Procuradorias de Estado permite que os procedimentos licitatórios sejam analisados segundo os parâmetros legais, sem sofrer a interferência de desejos políticos.

Ao defender o Estado em sua plenitude, o advogado público defende a democracia brasileira, sendo fiel ao cumprimento da ordem e da Justiça, com liberdade para trabalhar sem a interferência de arroubos políticos que não tenham a sociedade como destinatária. O futuro pós-pandêmico exige essa realidade.

Fonte: Portal Jota

ARTIGO – Organizações Sociais de Saúde

Por Juliana Diniz Prudente
Procuradora-Geral do Estado de Goiás

Com recursos escassos, o Estado tem enfrentado dificuldades na implementação das políticas públicas. Nesse cenário, as Organizações Sociais, entidades privadas sem fins lucrativos, surgiram como alternativa que visa ganho de eficiência e qualidade na prestação dos serviços públicos.

Muitas críticas são levantadas em relação a esse modelo de gestão na área da saúde, em descompasso com o sofrimento de parte da sociedade brasileira com o serviço ineficiente e insuficiente dos hospitais públicos.

Por óbvio, aqui, não se pretende defender nenhuma OS em particular, mas dar os devidos créditos a esse modelo de gestão que se comprovou eficiente em tempos de pandemia. É certo que sem a parceria com as OSs a sociedade goiana não estaria sendo prontamente atendida para tratamento da Covid-19. Foram 6 hospitais de campanha e mais de 500 leitos já efetivamente implantados.

No ano de 2016 o site da Exame publicou uma lista dos dez hospitais com alto padrão de atendimento à população, certificados pela Organização Nacional de Acreditação. Destes, 9 são gerenciados por OSs.

Apesar desse papel importantíssimo das OSs, o modelo normativo que rege tais entidades vem sendo alvo de críticas e distorções. Ao se desnaturar os princípios de autonomia e eficiência, exigindo da OS a contratação exclusiva pelas regras celetistas, em dissonância com as previsões legais, o contrato de gestão encarece e essa conta será impreterivelmente suportada pela sociedade, pois o dinheiro é público.

Algumas decisões judiciais que têm deferido liminares para exigir a rescisão dos contratos com PJ, para os profissionais da área da saúde serem contratados pela CLT, se fundamentam na defesa de direitos trabalhistas dessas classes. Esses direitos são relevantes, todavia, quando confrontados com os princípios da economicidade, eficiência e continuidade do serviço público, parece uma inversão de valores fazê-los preponderar.

É certo que, eventualmente, podem ocorrer contratações indevidas, pejotizações irregulares e desvios lesivos ao erário, mas para isso deve o Poder Público se imiscuir na fiscalização e exercer o controle. E não simplesmente abrir mão de um modelo de gestão que se mostrou adequado e necessário aos fins almejados. A sociedade que utiliza a rede pública de saúde que o diga.

Portanto, tanto o Estado quanto os órgãos de controle podem agir efetivamente nas metas de resultados a serem alcançadas com a prestação do serviço público, mas sem se descuidar da necessidade de que as inovações propostas por experiências como estas devem ser apropriadas e implementadas para o bem social.

Fonte: Jornal O Popular

Em artigo, diretor Jurídico e de Prerrogativas da Anape fala sobre honorários de sucumbência

Honorários de sucumbência – Prerrogativa intrínseca à natureza da advocacia pública

Por Carlos Frederico Braga Martins

Reconhecida como uma das profissões mais antigas da humanidade, a advocacia remonta aos tempos da Grécia Antiga, sendo fruto da própria convivência social entre as comunidades. A missão de defender determinadas posições e ter a liberdade de expressar suas ideias, concepção embrionária da advocacia, era exercida pelos conselheiros, aos quais cabia representar determinados interesses perante autoridades e tribunais, com a utilização preponderante da retórica e da persuasão.

Muitos foram os filósofos da Grécia Antiga que exerceram esse múnus inicial da advocacia, como Péricles, Isócrates, Aristides, Temístocles e Demóstenes, sendo este último considerado por muitos como primeiro advogado da História. Foi, contudo, com o Império Romano que a advocacia se consolidou e se firmou no seio da sociedade, substituindo a preeminência da oratória pelo registro escrito, em forma de pareceres jurídicos, dando início à concepção atual que temos de processo.

Como legado da advocacia romana, temos expressões em latim das quais nos utilizamos até os dias de hoje, como habeas corpus, erga omnes, data venia, amicus curiae, dentre outras. A própria etimologia da palavra advogado advém do latim, sendo formada pela expressa latina ad-vocatus, que significa “aquele que foi chamado”, remontando aos primeiros juristas que se prestavam a socorrer outrem perante os governantes da época.

Embora exercessem uma relevante função, os advogados da sociedade romana não eram remunerados, desempenhando a profissão de maneira gratuita, mas em busca, muitas vezes, de prestígio social ou de ambições políticas. Em razão da notoriedade conferida à advocacia desde as sociedades antigas, é que, posteriormente, denominou-se de honorários a remuneração devida a esses profissionais, dado que exercem uma função considerada honrosa.

Avançando ao longo dos séculos, e chegando à história do Direito no Brasil, tem-se que os honorários advocatícios de sucumbência foram implementados, no ordenamento pátrio, a partir da Constituição de 1937 e do Código de Processo Civil (CPC) de 1939, ainda não exatamente da maneira que conhecemos hoje. Na sua concepção inicial, o pagamento de honorários não era devido pela mera sucumbência da parte contrária, mas apenas nos casos em que houvesse atuação temerária ou dolosa no curso do processo. Os honorários eram, portanto, vistos como uma sanção, e não como uma retribuição ao trabalho exercido pelo advogado do vencedor.

Foi somente com Código de Processo Civil de 1973 que os honorários sucumbenciais adquiriram a feição que hoje possuem, passando a funcionar como regra dentro da sistemática processual.

A Constituição de 1988, por sua vez, não regula nem define diretamente o instituto dos honorários advocatícios, mencionando-os em apenas um dispositivo, quando veda aos membros do Ministério Público o recebimento “a qualquer título e sob qualquer pretexto, de honorários, percentagens ou de custas processuais” (art. 128, inciso II, a, da Constituição). Diante do silêncio constitucional, a definição dos honorários de sucumbência, enquanto instituto processual, coube à legislação infraconstitucional, encontrando-se prevista no art. 85 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”.

A destinação da verba prevista no Código processual seguiu o que já definia o art. 23 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o qual prevê que “os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado”. A verba honorária, portanto, é uma retribuição devida especificamente ao profissional da advocacia que atuou para a vitória de seu constituído na causa, seja o constituído um particular ou um ente público.

Aqui reside a principal razão pelas quais os honorários são indissociáveis da função exercida pela advocacia pública. É que os honorários sucumbenciais não derivam da investidura do advogado em cargo público, mas, sim, da qualidade de ser profissional inscrito nos quadros da OAB, com capacidade postulatória e atuação exitosa nos feitos que patrocina. De fato, no caso da advocacia pública, a mera investidura no cargo não possibilita ao agente o exercício das funções respectivas se o advogado público não possuir habilitação específica para o exercício da advocacia junto à OAB.

Isso porque, para ocupar o cargo de advogado público é necessário, antes de tudo, ser advogado e a assunção da função pública não extingue a submissão do agente ao regime jurídico aplicável à advocacia como um todo, com todos os seus deveres, e também com suas prerrogativas.

O art. 3º, §1º, do Estatuto da OAB assegura, textualmente, a sujeição dos advogados públicos ao regime ali estabelecido, preconizando que “exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU), da Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN), da Defensoria Pública e das procuradorias e consultorias jurídicas dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.”

Esse raciocínio é compatível com a única menção aos honorários advocatícios prevista na Constituição Federal. De fato, embora tanto o Ministério Público quanto a Advocacia Pública tenham sido enquadrados pela Constituição como funções essenciais à Justiça, a lei maior vedou expressamente a percepção de honorários apenas pelos membros do Ministério Público, justamente porque advogados não o são. A Constituição, não repetiu tal vedação ao tratar, já nos artigos seguintes, do regime jurídico dos advogados públicos, exatamente porque os advogados públicos são, necessariamente, advogados, e, como tais, fazem jus ao regime jurídico típico dessa função essencial à Justiça.

Conquanto tal entendimento já contasse com previsão em diversas legislações de estados e municípios brasileiros, a percepção dos honorários de sucumbência pelo advogado público foi consagrada expressamente pelo CPC, ao dispor, em seu art. 85, §19, que “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”.

A regulamentação nacional do tema, aliada ao início da percepção de honorários de sucumbência pelos membros da Advocacia-Geral da União, levou ao ajuizamento, pela Procuradoria-Geral da República de diversas ações de controle concentrado de constitucionalidade para impugnar o recebimento da verba sucumbencial por advogados públicos.

Até o momento, o Plenário da Suprema Corte já apreciou cinco ações diretas de constitucionalidade que discutiam o tema. Nas cinco ações julgadas, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento pela constitucionalidade do recebimento dos honorários de sucumbência pelos advogados públicos. Trata-se de sólida posição da Suprema Corte, firmada por ampla maioria de seus ministros: o placar em todas as cinco ações já julgadas foi de 10 votos pela constitucionalidade da percepção de honorários por advogados públicos e apenas 1 voto pela inconstitucionalidade.

Do voto do Ministro Relator, Alexandre de Moraes, destaca-se o seguinte trecho que analisa a questão sob o prisma da eficiência: “a possibilidade de aplicação do dispositivo legal que prevê como direito dos advogados os honorários de sucumbência também à advocacia pública está intimamente relacionada ao princípio da eficiência, consagrado constitucionalmente no art. 37, pois dependente da natureza e qualidade dos serviços efetivamente prestados.

O Ministro destaca ainda que no modelo de remuneração por performance – reconhecido como uma boa prática inclusive pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – “quanto mais exitosa a atuação dos advogados públicos, mais se beneficia a Fazenda Pública e, por consequência, toda a coletividade”.

O fato, os honorários de sucumbência representam, além de sanção à parte derrotada, um verdadeiro incentivo para que os advogados públicos busquem, com a maior eficiência possível, um provimento judicial favorável à Fazenda Pública representada, de modo a assegurar uma maior acuidade no trato dos interesses públicos. A esse respeito, destaca-se, a partir de dados gerados pela Procuradoria da Fazenda Nacional, que a implementação dos honorários de sucumbência no âmbito da AGU gerou um considerável aumento na arrecadação federal, à proporção de que, a cada R$1 que a União deixou de perceber a título de honorários de sucumbência, a PFN recuperou R$80 em outros créditos.

Além de fomentar a eficiência no serviço público, o pagamento dos honorários de sucumbência promove um inegável desestímulo à judicialização de massa contra os entes públicos, o que também colabora, em última análise, com a própria eficiência dentro da administração pública. Sob todos os prismas em que analisada a questão, portanto, verifica-se que a percepção de honorários de sucumbência pelos advogados públicos respeita não só a natureza advocatícia das funções desempenhadas pela advocacia pública, mas também é instrumento de inegável concretização da eficiência no âmbito de uma administração pública gerencial.

Fonte: Editora Justiça e Cidadania

As entrelinhas da constitucionalidade dos honorários dos advogados públicos

Por Elder Soares da Silva Calheiros

É uma realidade que no âmbito da advocacia pública brasileira não se esperava decisão diferente daquela tomada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.053, ajuizada em 20/12/2018 pela Procuradoria-Geral da República [1].

Em síntese, o julgamento pelo plenário virtual da corte findado no último dia 19 trouxe a confirmação da constitucionalidade da percepção de honorários de sucumbência pelos advogados públicos, concepção esta já consolidada há inúmeras décadas entre a quase unanimidade dos membros desta carreira jurídica de Estado [2].

Analisando a rede de normas jurídicas no âmbito federal editadas após a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil — Lei Federal nº 8.906/1994 — já garantia em seu artigo 23 que os honorários decorrentes da condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertenceriam ao advogado.

Lado outro, o Código de Processo Civil — Lei Federal nº 13.105/2015 — apenas veio a confirmar essa ideia, até mesmo ao estender o pagamento de honorários de sucumbência a todos os advogados públicos, sem distinção, consoante o artigo 85, §19, da norma processual.

Posteriormente, os legisladores editaram os artigos 27 e 29 a 36 da Lei Federal nº 13.327/2016 regulamentando esse direito aos membros da advocacia pública federal.

A par disso, cumpre mencionar que todas as investidas da PGR sob alegação de suposta inconstitucionalidade em face de leis estaduais de semelhante conteúdo jurídico — percepção de honorários de sucumbência por advogado público — também não encontraram (nem encontrarão) terreno fértil no Supremo [3]. Leis estas que estão em vigor, em grande parte, há décadas no âmbito dos entes federativos.

Feita a ambientação acima narrada, insta registrar que o objetivo nesta reflexão não é discutir, exaustivamente, o arsenal de argumentos lançados no brilhante voto condutor do ministro Alexandre de Moraes, o qual inaugurou a divergência com o respeitável ministro Marco Aurélio, este último relator originário vencido da ADI nº 6.053.

O que se busca é ler as entrelinhas e extrair a mensagem do Supremo.

Em que pese ainda pendente a lavratura do acórdão da referida ação constitucional, segundo o voto disponibilizado pelo ministro Alexandre de Moraes foi possível constatar a seguinte passagem:

“(…) O pedido da PGR de mera supressão da verba sucumbencial dos advogados públicos, sem qualquer estabelecimento de uma regra de transição e de compensação remuneratória para a parcela única do subsídio, acarretaria inconstitucional redutibilidade nos vencimentos finais dos procuradores. (…) Não se trata de discutir eventual direito adquirido a regime jurídico, mas sim de efetivamente consagrar a garantia de irredutibilidade, inclusive nas hipóteses de alterações na forma de composição da remuneração de agentes do poder público, conforme foi amplamente discutido e decidido pelo CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, logo após a promulgação da EC 45/2044, ao implementar a transição do antigo para o novo sistema remuneratório para a Magistratura, em que se garantiu a manutenção e futuro congelamento de determinadas parcelas a título de irredutibilidade”.

E esse é um ponto crucial levantado pelo ministro Alexandre de Moraes que não pode ser enxergado como mero argumento de retórica (obiter dictum), mas, sim, verdadeira razão de decidir (ratio decidendi) do precedente da ADI nº 6.053.

Ora, não é de hoje que a sociedade busca segurança jurídica. Há pouco menos de dois anos, o ministro presidente do STF, Dias Toffoli, discursou em evento comemorativo dos 30 anos da Carta Magna de 1988 e, na oportunidade, aclamou que o grande desafio do Poder Judiciário nos próximos 30 anos está na manutenção da segurança jurídica neste mundo cada vez mais hiperconectado, sinalizando para a sociedade a urgência da previsibilidade das decisões judiciais [4].

Essa preocupação quanto à segurança jurídica constitui pedra angular do Estado de Direito sob a forma de proteção à confiança. Segundo leciona Karl Larenz, a busca da paz jurídica é elemento nuclear que deve se unir ao componente de ética jurídica traduzido no princípio da boa-fé, consignando seu ponto de vista sob a ótica de que o ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo comportamento do outro e não tem mais remédio que protegê-la, porque poder confiar é condição fundamental para uma pacífica vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz jurídica [5].

Ainda sob este mesmo alerta, Miguel Reale também já se posicionou no sentido de que o “due process of law (devido processo legal) desaconselha a desconstituição de situações de fato, cuja continuidade seja economicamente recomendável, ou se a decisão não corresponder ao complexo de notas distintivas da realidade social tipicamente configurada em lei” [6].

Fixadas essas premissas, nas entrelinhas da decisão do Supremo fica evidente a manifestação quase uníssona quanto aos limites da alteração abrupta de padrões remuneratórios dos advogados públicos brasileiros, cuja pretensão seja a extinção ou redução de direitos consolidados pelo decurso do tempo.

A apreciação da ADI nº 6.053 comprovou cabalmente a constitucionalidade da percepção de honorários de sucumbência pelos advogados públicos. E ainda foi mais incisiva ao reverberar a mensagem de que qualquer manifestação estatal futura no sentido da extirpação desse direito — ainda que de constitucionalidade extremamente questionável — exigiria uma regra de transição e uma real compensação remuneratória objetivamente aferível.

Quanto a essa transição indicada pelo Supremo seria possível supor, por exemplo, que uma eventual retirada desses honorários sucumbenciais — admissível, repita-se, a título argumentativo — somente poderia ter efeitos ex-nunc (sem retroação) ou pro futuro (data futura) devido à imposição de modulação das decisões judiciais.

Em palavras mais simples, manter-se-ia a política remuneratória para todos os atuais membros da advocacia pública ou mesmo para futuros integrantes desta. E, nesta última hipótese, como maneira de não frustrar legítimas expectativas criadas em cidadãos na iminência do ingresso na carreira pública.

Nesse cenário, o que jamais se poderia admitir seria uma decretação de suposta inconstitucionalidade da percepção de honorários de sucumbência sob pena de atingir vários membros da advocacia pública que estão em exercício no serviço público há quase quatro décadas submetidos a esse regime remuneratório presumidamente constitucional e contra o qual a PGR e outros legitimados a propor ADI deixaram escoar décadas sem qualquer imputação de mácula.

Para usar uma expressão recente do ministro Luiz Fux ao apreciar a medida cautelar na ADI nº 6.457, no dia 12 deste mês — celeuma do suposto poder moderador das Forças Armadas —, mutatis mutandis admitir tal inconstitucionalidade sustentada pela PGR na ADI nº 6.053 seria como permitir uma espécie de Cavalo de Troia na Constituição Federal de 1988 em desfavor dos advogados público [7].

E não só esses decenários profissionais, mas muitos jovens advogados públicos que, embora não tenham atingido tal lapso temporal na carreira jurídica, creram no comportamento estatal que referendou a constitucionalidade de um regime remuneratório durante vários anos. Daí vem a ótica segundo a qual a confiança despertada de um modo imputável deve ser mantida quando efetivamente se creu nela. A suscitação da confiança é imputável, quando o que a suscita sabia ou tinha que saber que o outro ia confiar.

Essa perspectiva também é sustentada na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) — Decreto-Lei nº 4.657/1942, alterado em 2018 pela Lei Federal nº 13.655 —, segundo a qual deve haver a adoção de regras de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais, aumentando-se a segurança jurídica (artigos 23 e 30).

Frente ao exposto, as entrelinhas do Supremo na ADI nº 6.053 não disseram apenas que a percepção dos honorários de sucumbência pelos advogados públicos se mostra constitucional enquanto medida de valorização da carreira. A corte falou mais: a proteção às políticas remuneratórias da advocacia pública, sejam elas quais forem, deve se pautar pelo respeito inescusável ao princípio da segurança jurídica.

Em arremate, essa vitória decretada pelo Supremo representa, antes de tudo, um triunfo da própria essência do interesse público que move o sentimento e a paixão profissional dos advogados públicos brasileiros em seu mister cotidiano.

Numa frase que sintetiza esse ofício: advocacia pública é uma missão de vida que move o Estado brasileiro enquanto bússola orientadora da navegação neste mar revolto de incertezas.


[1] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=400114>. Acesso em: 23/6/2020.

[2] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jun-21/advogados-publicos-podem-receber-honorarios-sucumbenciais?>. Acesso em: 23/6/2020.

[3] Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=413231>. Acesso em: 23/6/2020.

Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=415103>. Acesso em: 23/6/2020.

[4] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-nov-06/desafio-judiciario-manter-seguranca-juridica-dias-toffoli>. Acesso em: 23/6/2020.

[5] In Derecho Justo. Fundamentos de Ética Jurídica. Madrid: Civitas, 1985, p. 91-96

[6] In Revogação e anulamento do ato administrativo. Forense: Rio de Janeiro, 1980, p. 70-71.

[7] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaPresidenciaStf/anexo/ADI6457.pdf>. Acesso em: 23/6/2020.

Elder Soares da Silva Calheiros é procurador do Estado de Alagoas, advogado e consultor jurídico.

Fonte: Portal Consultor Jurídico

“Passar fogo?”: um estarrecedor ataque à democracia brasileira

Por Vicente Martins Prata Braga

“Passar fogo?”, “Mandar o Matheus pro inferno”, “Vamos atacar ele”. Esses foram alguns dos termos usados entre um pecuarista acusado de liderar uma quadrilha de grilagem de terras em unidades de conservação e o deputado estadual presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Rondônia, Jean Oliveira (MDB). Os áudios foram interceptados durante as investigações da Operação Feldberg, da Polícia Federal e do Ministério Público do Estado de Rondônia.

O “Matheus” dos áudios é o procurador do Estado Matheus Carvalho Dantas, responsável por emitir pareceres ambientais no âmbito na Procuradoria-Geral do Estado. As ameaças vieram diante da recusa do procurador em avalizar a grilagem. Ou seja, chegou-se ao limite sórdido de planejar a morte de um servidor do Estado em razão de sua atuação na defesa da fiel aplicação da lei e da proteção do meio ambiente.

É de causar mais espanto ainda que o ataque ao agente público tenha sido cogitado por um parlamentar estadual, eleito democraticamente, e que, por sua função, deveria ser defensor do Estado Democrático de Direto e das instituições republicanas, entre elas, a Advocacia Pública. É absolutamente inaceitável que um agente de Estado sofra retaliações pela firme e independente atuação na defesa do interesse público.

Desde a Constituição Federal de 1988, que incluiu a Advocacia Pública entre as instituições responsáveis pela defesa do Estado Democrático de Direito, procuradores em todos os cantos deste imenso Brasil vêm exercendo com excelência essa função. Logo, qualquer ataque à atuação de um procurador é uma investida contra a própria democracia brasileira. E não há tolerância para isso.

Ao ingressar na carreira, o procurador se compromete a desempenhar suas funções, com impessoalidade, amparado sempre nos princípios legais e constitucionais da Federação e dos Estados, para garantir a supremacia do interesse público sobre o particular, defendendo o país de desmandos, desvios e irregularidades, que, infelizmente, prejudicam dia após dia a nossa população.

Este lamentável e preocupante fato demonstra, mais uma vez, a urgência de se garantir autonomia técnica, administrativa e financeira para as Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal. A autonomia funcional é o caminho para que os procuradores tenham liberdade de atuação na defesa da democracia, atuando para que os interesses de todos os cidadãos – verdadeiros titulares dos direitos inseridos na Constituição Federal – sejam devidamente protegidos.

Desde 2014, o substitutivo à Proposta de Emenda à Constituição 82/2007, que garante a autonomia funcional, aguarda pauta no plenário da Câmara dos Deputados. É imprescindível que essa proposta saia da gaveta para que episódios repugnantes como este de Rondônia sejam coibidos.

A cada dia, no anonimato silencioso de peças e pareceres jurídicos, procuradores de Estado defendem os interesses da sociedade e protegem o patrimônio público e ambiental nos salões dos tribunais, fóruns e palácios de governos. A notável atuação da Procuradoria do Estado de Rondônia, que agiu de forma enérgica e contundente na proteção da Reserva Extrativista Rio Pacaás Novos, em Guajará-Mirim (RO), merece aplausos e não ameaças.

As perseguições políticas realizadas contra qualquer procurador de Estado devem ser repudiadas e punidas com rigor. A atuação das procuradorias não pode ficar subordinada a interesses mesquinhos. A defesa do Estado é luta diária nas procuradorias e não há espaço para sucumbir a pressões e interesses não republicanos. Fatos como este não intimidam os procuradores, que seguem incansáveis na defesa do Estado em benefício da sociedade.

*Vicente Martins Prata Braga, presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), procurador do Estado do Ceará e doutorando em processo civil pela USP.

Fonte: Estadão

Artigo – Estado e interesse público

Por Ana Paula Guadalupe
Presidente da Associação dos Procuradores do Estado de Goiás

O Estado Democrático de Direito é, como sabemos, resultado de muitos esforços e seu desenvolvimento e preservação exigem constante vigilância e comprometimento de todos os segmentos da sociedade. O interesse público deve ser o fiel da balança e, neste sistema, a advocacia pública é elemento primordial para a promoção da justiça e do bem-estar social.

Tanto em âmbito federal, quanto estadual ou municipal, as políticas públicas devem obedecer à ordem constitucional, ao sistema jurídico dela decorrente e respectivos princípios, como a legalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, eficiência e publicidade. Cabe ao advogado público orientar e defender juridicamente o ente político representado em nome do interesse público.

Os resultados práticos da advocacia pública não são difíceis de mensurar. Em Goiás, por exemplo, apenas no ano de 2019, a Procuradoria-geral do Estado (PGE) possibilitou economia superior a R$ 9,6 bilhões aos cofres públicos. No primeiro trimestre de 2020, a economia da Gerência de Cálculos e Precatórios da PGE proporcionou economia de R$ 74 milhões em três meses. Tratam-se de recursos que serão aplicados para beneficiar todo o conjunto da população, por meio de investimentos em políticas públicas em áreas como saúde, segurança, educação, entre outras.

No entanto, há um outro aspecto da advocacia pública que pode não ser tão visível num primeiro momento. Conferindo segurança jurídica aos atos do gestor público, o advogado público, como o Procurador do Estado, contribui sensivelmente no combate à corrupção e sonegação. Assim, ao contribuir para a legitimidade das ações do poder público perante as outras instituições e à população, a advocacia pública exerce papel essencial na confiabilidade e estabilidade do Estado Democrático de Direito.

A elaboração de decretos e outras medidas relacionadas ao isolamento social determinado pelo governo estadual em razão da pandemia do novo coronavírus exige, além dos aspectos sanitários técnicos científicos, obediência a uma série de imposições constitucionais e preceitos legais. Cabe ao Procurador do Estado garantir à administração pública a segurança jurídica para que as medidas necessárias sejam efetivadas em prol do interesse comum e da proteção da população, respeitando direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

Não por acaso, a advocacia pública tem sido protagonista nas reflexões sobre moralidade, legalidade e impessoalidade na Administração Pública – atuando como guardiã e farol para uma mudança verdadeira de paradigmas. Sua credibilidade nasce na própria Constituição de 1988, que lhe garante autonomia técnica e a classifica como essencial à Justiça.

Ao longo dos anos, os profissionais que se dedicaram e se dedicam à advocacia pública, ancorados no caráter perene da função, têm mostrado à sociedade que seu comprometimento sempre foi e sempre será com o Estado e o interesse público. É sinal de avanço para qualquer nação quando tais diferenças são esclarecidas e respeitadas.

Fonte: Jornal O Popular

ARTIGO – Direito Ambiental de todos

Por Raimundo Diniz
Procurador-chefe da Procuradoria de Defesa do Patrimônio Público e Meio Ambiente da PGE

A constituição Federal reconheceu o direito de todos ao meio ambiente equilibrado, essencial à vida, e tornou a busca pelo desenvolvimento sustentável uma preocupação inerente a toda discussão jurídico-política sobre o tema.

Essa discussão se torna mais complexa porque os entes políticos devem concretizar esse direito nos espaços de atuação reservados às competências legislativas concorrentes e administrativas comuns, cujos limites não são compreendidos da simples leitura dos dispositivos constitucionais. Por isso, o Direito Ambiental, apesar da variedade de leis e regulamentos, precisa ser construído também pela hermenêutica.

Isso reafirma a importância dos órgãos de representação, consultoria e assessoramento jurídicos, tanto no processo de produção de normas quanto na atividade de dirimir dúvidas sobre sua aplicação e de defender a validade das escolhas públicas. Isso porque o direito ao meio ambiente só existe efetivamente quando concretizado através de instrumentos de política pública – tais como o licenciamento ambiental – instituídos por arranjos jurídicos que lhe conferem obrigatoriedade e coercibilidade e das estruturas jurídicas de incentivos.

Essa interpenetração entre Direito e Políticas Públicas é apontada por autores como Maria Paula Dallari Bucci e Diogo Coutinho, que defendem que a atividade jurídica seja capaz de contribuir efetivamente para a concretização dos comandos constitucionais, não se limitando, portanto, ao mero controle formal de legalidade.

Essa é a tarefa realizada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), por exemplo, ao orientar autoridades ambientais sobre anteprojetos de lei, sanção e veto, regulamentos e a sua aplicação em atividades de fiscalização e controle ambiental. Além disso, a atuação em processos judiciais visa a defender a validade e a garantir a observância das decisões administrativas.

Assim, soluções jurídicas apontadas pela PGE impactam em milhares de empreendimentos e atividades econômicas regulados pela política ambiental estadual. Para isso, conta com unidade especializada, a Procuradoria de Defesa do Patrimônio Público e do Meio Ambiente (PPMA), para auxiliar a Procuradora-Geral na construção de arranjos e ferramentas jurídicas que possam funcionar, nas palavras de Diogo Coutinho, “como tecnologias de construção e operação de política pública, nas suas fases de elaboração, implementação, avaliação e controle, em busca da efetividade dos direitos garantidos pela Constituição”.

Fonte: Assessoria de Comunicação da APEG | Ampli Comunicação, com informações do jornal O Popular

ARTIGO – Os ‘parasitas’ como protagonistas

Por Augusto Bernardo Cecílio
Auditor Fiscal e Professor

Realmente o mundo dá muitas voltas. Quem diria? Hoje, na linha de frente do enfrentamento ao coronavírus, não vemos engravatados, banqueiros, nem o pessoal do chamado mercado financeiro. Não vemos nenhum daqueles que tentaram jogar na lama a imagem daqueles que trabalham para servir ao público, aí incluído parcela da mídia e seus espaços generosos pra divulgar matérias e reportagens contra os servidores e até contra os serviços públicos.

Na linha de frente estão os servidores públicos das mais diferentes áreas, especialmente os da saúde, que arriscam as suas vidas e a dos seus familiares para salvar vidas, além dos que estão na retaguarda, trabalhando para manter a máquina pública funcionando.

Que ironia! Os que foram recentemente chamados de “parasitas” são a nossa esperança. Antes fomos acusados de tudo, éramos um peso pra sociedade, um estorvo, um grupo que trabalhava pouco, um bando de preguiçosos que ganhava muito e que consumia os recursos que deveriam ir, imagino, para o pagamento dos juros absurdos da dívida pública e para os financiadores e defensores do chamado neoliberalismo e do Estado mínimo.

Como disse Paulo Planet Buarque em artigo publicado, “De repente, não mais que de repente, todos os problemas brasileiros – seu eterno “déficit” público, a corrupção, a sonegação fiscal, a injusta distribuição de renda, a incompetência administrativa, tudo – passaram a ter no servidor público a sua causa principal, senão única”.

“Toda a mídia concentrou no serviço público a razão maior dos males nacionais, sendo as reformas administrativa e previdenciária absolutamente imperiosas: eis que, a partir da aprovação das mesmas, por fim os governos passarão a ter os recursos indispensáveis para o investimento e o desenvolvimento”.

Bem antes do episódio dos parasitas, fomos bombardeados por reformas e pela possibilidade de redução de salários, pelo possível esvaziamento dos serviços públicos, além de discursos difamatórios, que jogaram a sociedade contra nós. A mesma sociedade que hoje luta contra a falta de leitos, de respiradores, máscaras, álcool, testes rápidos e de materiais de proteção para os profissionais da saúde.

Antes mesmo das eleições presidenciais chegaram até a classificar como “jabuticabas brasileiras” o direito ao décimo terceiro salário e abono de férias. E outros insistem em defender padrões existentes em outros países, inclusive os EUA, que não oferece saúde pública à população, e onde um simples teste do coronavírus custa o equivalente a R$ 5 mil reais.

Diante das mortes e das infecções, temos mais uma certeza: a necessidade urgente de se valorizar o Sistema Único de Saúde (SUS) e os serviços públicos. Como disse Hélcio Marcelino, do SindSaúde-SP, mesmo sucateado, tendo perdido mais de R$ 20 bilhões para o pagamento de juros só no ano passado, o SUS ainda consegue oferecer tratamento para a população.

 “Se não fosse o SUS e seus trabalhadores, a situação seria muito pior no Brasil. Muito pior que a da Itália e da Espanha, onde a gente vê as pessoas sendo internadas em casa, e os médicos sendo obrigados a escolher quem vai viver e quem vai morrer para colocar no respirador”.

É neste momento que a sociedade verá a importância dos servidores, verdadeiros protagonistas nessa luta, heróis anônimos que se arriscam, enquanto os nossos algozes estão refugiados nas suas mansões, acovardados, e talvez arrependidos.

Fonte: Portal da Amazônia

ARTIGO – O Estado e o coronavírus

Por Adriane Nogueira Naves Perez,
Procuradora do Estado de Goiás

“Não pode o poder público ser culpado pela emergência sanitária surgida com o coronavírus”

Recentemente “ressuscitaram” o esquecido art. 486 da CLT, enunciando-se a suposta responsabilidade do Estado pelo pagamento de eventuais verbas rescisórias devidas em função da paralisação de atividades comerciais e industriais, determinada por decretos governamentais expedidos com o escopo de evitar a propagação do coronavírus.

Mas, diante da atual pandemia, será que este dispositivo de lei é mesmo aplicável?

Inicialmente, é preciso ter presente que os decretos em questão, se não forem excessivos, são lícitos, baseados tanto em recomendações da OMS quanto no dever constitucionalmente atribuído aos entes federados de proteção e defesa da saúde (CF, arts, 23, II, e 24, XII), direção do SUS (CF, art. 198) e execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica (CF, art. 200, II).

Segundo a jurisprudência, atos lícitos só geram o dever de indenizar quando causadores de danos anormais e específicos, isto é, a pessoas determinadas. Prejuízo generalizado, partilhado por toda a sociedade, como no caso da pandemia, cujos efeitos estão sendo suportados indistintamente por todos, não caracteriza a responsabilidade civil do Estado.

Além disso, não há falar em dever de indenizar quando se verifica a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, conceitos que se fundamentam na inevitabilidade/invencibilidade do evento, cujas consequências são de todo inescapáveis, e, ainda, na ausência de culpa na sua produção. É precisamente a definição jurídica da pandemia.

Diferentemente, o fato do príncipe previsto no art. 486 CLT exige que ao Estado possa ser imputada a responsabilidade pela situação alheia à vontade das partes que resultou no impedimento jurídico ao exercício da atividade e, logo, no término do pacto laboral. Por óbvio não pode o poder público ser culpado pela emergência sanitária surgida com o coronavírus, típica situação de força maior, que, como dito, exclui o dever de indenizar.

Assim, é absolutamente impróprio classificar os decretos governamentais como fato do príncipe na tentativa de transferir ao Estado os ônus pelas eventuais rescisões dos contratos de trabalho. Ora, diante da grave e excepcional situação hoje vivenciada, não seria sequer razoável punir o poder público por cumprir seu impostergável mister constitucional de proteger a vida e a saúde de todos os cidadãos.

Fonte: Assessoria de Comunicação da APEG | Ampli Comunicação, com informações do jornal O Popular

ARTIGO – O novo normal

Por Tomaz Aquino
Procurador do Estado de Goiás

“Talvez o maior desafio que se avizinha seja a transição do necessário e atual período de isolamento para a normalidade”

Depois da tempestade, vem a bonança. A expressão, representante de alento e esperança diante do difícil cenário imposto pela Covid-19, essenciais para o enfrentamento de períodos como o que se passa, pode ser tomada, espera-se, como verdade absoluta.

É histórico, pelo menos num cenário geral, que os momentos mais tormentosos da humanidade, ainda que tenham deixado para trás devastação e uma grande quantidade de mortos e feridos, tiveram um fim.

Tal constatação não afasta outra, também, quase dogmática: nem sempre o período tempestuoso dura pouco e nem sempre, durante seu curso, os povos têm condições de se planejar para o período de calmaria.

De fato, especialmente no caso da nossa atual tormenta, talvez o maior desafio que se avizinha seja a transição do necessário e atual período de isolamento para a normalidade, sendo que o mais provável é que nunca voltemos às condições anteriores, mas que a transição nos conduza, inevitavelmente, para uma “nova normalidade”.

A passagem para essa “nova normalidade”, entretanto, vai exigir da sociedade e dos governos mudanças de direção, verdadeiras guinadas, capazes de compatibilizar as estruturas atuais ao novo cenário.

Instrumentos já existentes, mas subutilizados, como o teletrabalho, por exemplo, testado forçosamente e à exaustão no período de isolamento, deverão ser a primeira opção, não só porque ainda estaremos convivendo com a disseminação, ainda que controlada, do vírus, mas porque os efeitos benéficos daquele instrumento vão além do controle da propagação de doenças.

Em cidades como São Paulo, por exemplo, os trabalhadores gastam, em média, 2 horas e 50 minutos, por dia, nos deslocamentos para o trabalho. A transferência do ofício para o domicílio contribuiria, portanto, não só para a melhora da qualidade de vida das pessoas, mas também com a qualidade do trânsito de todas as grandes cidades do País.

É preciso aproveitar essa verdadeira janela de oportunidade que se abre, em meio à pandemia, para aplicar de maneira eficiente os insumos tecnológicos já disponíveis instalando mecanismos de controle de produtividade eficazes, tanto no serviço público, quanto nos empreendimentos privados, nas situações em que esse tipo de prestação seja possível. O novo normal, para ser bem sucedido, terá que acabar, de vez, com qualquer tipo de preconceito que ainda paire sobre o trabalho a distância.

Fonte: Assessoria de Comunicação da APEG | Ampli Comunicação, com informação do jornal O Popular

ARTIGO – O Coronavírus, a emergência sanitária e a responsabilidade dos administradores públicos

Em matéria de controle público, há a suposição relativamente comum, especialmente sob a perspectiva jornalística, de que a atuação da esfera controladora tende sempre a ser “melhor” que aquela outrora exercida pelo gestor público. Vários fatores conduzem a este resultado. O mais expressivo deles reside no fato de que a crítica posterior, naturalmente acompanhada por mais elementos, dados e informações, tende sempre a ganhar maior ressonância e impressão de acurácia, e isso num contexto em que certo movimento expansionista da atividade fiscalizatória e sindicante do agir administrativo mostra sempre a sua face, segundo a lógica do “quanto mais controle, melhor”, conforme, aliás, já identificado por Gustavo Leonardo Maia Pereira em artigo de opinião a respeito.

Ora, todos reconhecem a importância dos controles públicos, que necessitam ser sempre qualificados e aperfeiçoados, para a boa e eficiente alocação de recursos públicos escassos. Numa democracia, o respeito ao dinheiro público constitui, com efeito, imprescindível mecanismo legitimador do poder. 

E qual a relevância do tema para o momento? É que em razão dos grandes e importantes desafios impostos aos Poderes Públicos para fazer frente à pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), os administradores públicos têm tido de, a todo instante, tomar decisões que, segundo sua perspectiva, melhor consultem ao interesse público. Realizar aquisições de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública, tudo mediante dispensa de licitação, constitui providência que secretários municipais e estaduais, prefeitos, governadores, ministros de Estado e outros ordenadores de despesas estão, um pouco por todos os lados, a adotar nesta oportunidade, com amparo, sobretudo, nas novas cláusulas de abertura em matéria de licitações e contratações trazidas pela Lei federal nº 13.979/20 e, mais recentemente, pela Medida Provisória nº 926/20. Com efeito, a situação exige tomada de decisões rápidas e assertivas.

Neste cenário, sobremodo recomendável é que os administradores públicos promovam a edição de atos administrativos consistentemente fundamentados, dando conta das razões pelas quais adotam determinada providência, tudo acompanhado da correlata documentação. Não pode ser deslembrado que a fundamentação constitui a pedra-de-toque do Direito Administrativo contemporâneo. Na lúcida sentença de Juarez Freitas (Direito fundamental à boa Administração Pública, 3 ed. Malheiros: São Paulo, 2014), é por meio da motivação que se conforma o espaço demasiado fluido das vontades meramente particulares, inconciliáveis com a índole democrática do Estado constitucional. É com a justificação que se pode, quase sempre, desvendar a ocorrência de desvio de poder: os vícios acontecem usualmente quando a fundamentação se eclipsa.

Bem, e por que deve o administrador de hoje adotar cautelas frente ao controlador de amanhã? Porque fiscalizar a “obra pronta” por parte dos órgãos de controle – Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas etc. –, com apontamento de falhas e defeitos, costuma ser menos dispendioso. Difícil é para o controlador se colocar no lugar do gestor público que, em momento de tensão, pânico e agonia, teve de se esforçar para tomar a melhor decisão em nome do interesse público, em contexto marcado por escassez de recursos, déficit de mão de obra e desprofissionalização da função pública, ausência de tempo para adequado planejamento e por aí afora.

Daí que, na forma do art. 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), na redação conferida pela Lei federal nº 13.655/18, deverão ser considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo. “Documentar” este momento por que passam o país e os governos assume, portanto, superlativa importância, notadamente dos fatores e das condições que, em nome de um princípio de cautela geral, levam as autoridades públicas nacionais a tomar medidas tendo em vista realidades mais duras e aspectos dolorosos vivenciados por nações estrangeiras no combate à pandemia. Em matéria de contratações públicas, tais medidas acautelatórias de direito não se restringem aos agentes públicos: também os particulares que, nessa ambiência, contratam com as Administrações devem adequadamente se resguardar de futuras injunções do controle público, a fim de preservar a contextualização do momento presente, cuja memória não pode se perder.

Ainda que a LINDB preveja que a decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deva levar em conta as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente (art. 22, § 1º), admitindo-se que tais contingências, anos depois, possam constituir meras reminiscências mentais particulares, a documentação viva do drama, da pressão e dos obstáculos há de se fazer presente hoje, a fim de, com tal esforço, incentivar o controlador a, no futuro, minimamente colocar-se no lugar do administrador, em verdadeiro exercício de alteridade, conforme, a propósito, já tive a ocasião de assentar nesta Coluna: a tentativa é a de encorpar o senso de responsabilidade dos controladores que atuam em momento  póstero.

Assim, se o olhar do controle tende a definir, perante a opinião pública, quem o administrador é, para que este transcenda, e surpreenda, essa dependência do olhar perturbador, é que, por puro pragmatismo, preservar documentalmente da maneira mais completa possível o atual momento histórico deve constituir o esforço dos gestores públicos, como agentes bem intencionados e dispostos a levar a cabo as providências necessárias à superação dos infortúnios causados pela pandemia da Covid-19, a fim de que, no futuro, a hoje recorrente banalidade da falta de deferência dê lugar ao respeito e ao prestígio àqueles que, premidos pela ação do tempo e das circunstâncias fáticas da gestão pública, têm – ou tiveram – de tomar decisões dilemáticas e importantes. A sociedade não necessita neste momento de gestores públicos acuados, hesitantes e inseguros, mas, sim, de agentes que, confrontados por emergências sanitárias e calamidades públicas, ousem avançar e transformar, a despeito dos obstáculos, da burocracia e das dificuldades que circundam o agir administrativo.

Rafael Arruda Oliveira (GO)

Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal). Procurador do Estado (Chefe da Procuradoria Administrativa da PGE-GO). Professor-convidado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG). Membro do Conselho Acadêmico do Instituto de Direito Administrativo de Goiás (IDAG). Advogado

Artigo – Responsabilidade Civil do Estado X Pandemia

Nos últimos dias um dispositivo legal quase esquecido tornou-se subitamente popular: o art. 486 da Consolidação das Leis do Trabalho. Políticos, advogados, trabalhadores e empregadores, juristas ou não, passaram a proclamar que tal preceito de lei garantiria indenização, a ser arcada pelo Poder Público, pelos encargos trabalhistas devidos por todos aqueles que tiveram suas atividades comerciais inviabilizadas por decretos governamentais, que, por sua vez, foram expedidos com o escopo de promover o isolamento social e, assim, evitar a propagação da pandemia de coronavírus.

A propósito, o art. 486 da CLT dispõe o seguinte: “No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”.

Mas, diante das atuais circunstâncias, será que esta norma é mesmo aplicável?

Para responder a esta pergunta, será preciso discorrer brevemente sobre o tema responsabilidade civil extracontratual do Estado.

O art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal institui, para a Administração Pública, o regime de responsabilidade objetiva. Segundo Alexandre de Moraes[1]: “A responsabilidade objetiva do risco administrativo exige a ocorrência dos seguintes requisitos: ocorrência do dano, ação ou omissão administrativa, existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal”.

Em outras palavras, o dever de indenizar da Administração não depende de inquirições sobre dolo ou culpa do agente, surgindo, de acordo com a teoria do risco administrativo, adotada pela Carta Magna e asseverada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, mesmo quando a conduta administrativa seja lícita, bastando que haja o dano e o nexo de causalidade entre o prejuízo e a ação (ou omissão) administrativa.

Contudo, nem todo ato lícito praticado pela Administração, ainda quando causador de danos, pode ser considerado fato gerador da responsabilidade civil. Com efeito, o ato lícito que enseja o dever de indenizar é aquele que ocasiona um dano anormal e específico a pessoas determinadas, violando o princípio da isonomia segundo o qual os ônus sociais da atividade administrativa devem ser igualmente distribuídos entre todos. Nestes termos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2] preleciona:

(…) segundo alguns autores, o Estado só responde se o dano decorrer de ato antijurídico, o que deve ser entendido em seus devidos termos. Ato antijurídico não pode ser entendido, para esse fim, como ato ilícito, pois é evidente que a licitude ou ilicitude do ato é irrelevante para fins de responsabilidade objetiva; caso contrário, danos decorrentes de obra pública, por exemplo, ainda que licitamente realizada, não seriam indenizados pelo Estado. Somente se pode aceitar como pressuposto da responsabilidade objetiva a prática de ato antijurídico se este, mesmo sendo lícito, for entendido como ato causador de dano anormal e específico a determinadas pessoas, rompendo o princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais. Por outras palavras, ato antijurídico, para fins de responsabilidade objetiva do Estado, é o ato ilícito e o ato lícito que cause dano anormal e específico.

Este dano especial, anormal e específico, pode ser considerado, simplificadamente, como aquele que ultrapassa os inconvenientes da vida em sociedade e atinge somente destinatários determinados. Nos dizeres de Gilmar Mendes[3]:

O dano especial é aquele que onera, de modo particular, o direito do indivíduo, pois um prejuízo genérico, disseminado pela sociedade, não pode ser acobertado pela responsabilidade objetiva do Estado. Bandeira de Mello pontifica que o dano especial é aquele “que corresponde a um agravo patrimonial que incide especificamente sobre certo ou certos indivíduos e não sobre a coletividade ou sobre genérica e abstrata categoria de pessoas. Por isso, não estão acobertadas, por exemplo, as perdas de poder aquisitivo da moeda, decorrentes de políticas estatais inflacionárias”.

É dizer, prejuízo generalizado, partilhado por toda a sociedade, não caracteriza a responsabilidade civil do Estado.

No ponto, registre-se que os decretos governamentais, expedidos em todas as esferas federadas, determinaram, de forma indistinta, com vistas à contenção da pandemia de coronavírus, a paralisação das atividades em todos os estabelecimentos industriais e comerciais, salvo aqueles que prestam serviços ou forneçam/produzam itens absolutamente essenciais. Ou seja, todos, trabalhadores formais ou não, autônomos, empregadores, funcionários públicos e até mesmo o próprio Estado, foram e continuarão a ser afetados pela pandemia.

Vale ressaltar, de outra banda, que os reportados decretos, desde que não ultrapassem os limites da legalidade e não se mostrem abusivos, são lícitos, porquanto fulcrados no dever constitucionalmente atribuído aos entes federados de proteção e defesa da saúde (arts, 23, II, e 24, XII, da CF), direção do sistema único de saúde (CF, art. 198) e execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica (CF, art. 200, II). Demais disso, citadas normas decorrem de orientações gerais expedidas pela Organização Mundial de Saúde[4], que recomendou aos países medidas severas de isolamento físico das pessoas, especialmente por que a quarentena é uma das únicas formas de desacelerar a disseminação do vírus, para o qual ainda não há vacina nem terapia curativa de eficácia cientificamente comprovada.

Destarte, se de um lado a responsabilidade civil da Administração por ato lícito depende da comprovação de um dano anormal e específico, e se, de outro lado, estes decretos governamentais atingem a sociedade como um todo e não apenas indivíduos determinados, descaracterizado está o dever de indenizar.

Noutro giro, é certo que mesmo a responsabilidade objetiva admite excludentes do dever de reparar os danos eventualmente causados a terceiros, haja vista que, em regra, não se adotou, no ordenamento jurídico brasileiro, a teoria do risco administrativo integral, ressalvadas raras exceções, a exemplo dos prejuízos causados por acidentes nucleares.

Diante disso, a responsabilidade civil extracontratual do Estado pode ser elidida sempre que se constatar culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior.

Em que pese caso fortuito e força maior sejam institutos jurídicos referidos desde o Direito Romano, a doutrina ainda não chegou a um consenso quanto à definição de seus respectivos conceitos. Muitos sustentam que o caso fortuito teria por base a imprevisibilidade, indicando um fato do homem. De outra parte, a força maior estaria lastreada na inevitabilidade, designando um fato da natureza. Há também quem defenda a inutilidade prática da distinção destes conceitos, já que o Código Civil não os diferencia no parágrafo único do art. 393, que assim reza: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

À parte a controvérsia, é certo que tanto o caso fortuito quanto a força maior fundamentam-se em dois elementos: objetivamente, na inevitabilidade/invencibilidade do evento, cujas consequências são de todo inescapáveis, e, subjetivamente, na ausência de culpa na sua produção, uma vez que externo e alheio à vontade da parte.

Neste contexto, José dos Santos Carvalho Filho[5] ensina que a responsabilidade civil do Estado ou da Administração deve ser excluída na ocorrência de caso fortuito ou de força maior, pois nestas circunstâncias não há fato imputável ao Estado. Isto é, verificada uma situação que se coadune aos conceitos elementares de caso fortuito ou de força maior, há um rompimento do nexo de causalidade, o que afasta, logicamente, o dever de indenizar.

É precisamente o que ocorre com a pandemia de coronavírus, que tem sido enfrentada mundialmente: trata-se de fato inevitável e intransponível, completamente alheio à vontade estatal, a indicar o rompimento do nexo causal entre os atos editados com espeque na obrigação que o Poder Público detém de preservar a incolumidade pública, de um lado, e os eventuais danos causados pela suspensão genérica das atividades comerciais, de outro.

Voltemos os olhos, agora, à Consolidação das Leis do Trabalho, especialmente aos arts. 486, 501 e 502, que tratam, respectivamente, da extinção do contrato do trabalho por fato do príncipe e por força maior.

A dicção do art. 486 da CLT, editado no longínquo ano de 1951, é no sentido de que, havendo paralisação temporária ou definitiva do trabalho, por ato de autoridade de qualquer esfera federada, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do “governo responsável”.

Aliás, o fato do príncipe trata de uma situação criada pelo Poder Público, que indiretamente ocasiona uma onerosidade excessiva ao empregador, impedindo ou dificultando a exploração regular de uma determinada atividade. É preciso entender que o fato do príncipe tem por escopo resguardar o empregador de um ato administrativo atípico, imprevisto, editado em tempos de normalidade, a exemplo de uma obra pública que impede, por prazo indefinido, o acesso a um ponto comercial. Nestes casos, a alternativa escolhida pelo gestor público, entre as várias possíveis, foi aquela que prejudicou certo empreendimento, inviabilizando-o juridicamente. Frise-se que a inviabilidade meramente econômica do negócio não atrai a incidência do art. 486 da CLT, mormente porque o risco da atividade econômica deve ser assumido pelo empregador (art. 2º da CLT).

Como se nota, no fato do príncipe é sempre possível identificar o Estado como responsável pela situação alheia à vontade das partes que resultou no impedimento jurídico ao exercício da atividade e, consequentemente, no término do pacto laboral. Quer dizer, o dispositivo de lei em epígrafe exige um “governo responsável” para configuração do dever de indenizar por fato do príncipe.

Ora, obviamente que os Estados e Municípios não podem ser considerados responsáveis pela calamidade em saúde pública hoje vivenciada em virtude do coronavírus. Tais entes, ao determinarem, via decreto, o fechamento dos estabelecimentos industriais e comerciais com a finalidade de promover controle sanitário e epidemiológico, protegendo a vida e a saúde de seus cidadãos, estão apenas cumprindo seu impostergável mister constitucional. Nestes termos, o art. 486 da CLT deve ser interpretado à luz da principiologia da Constituição, e não o contrário, sob pena de operar- se uma subversão da supremacia constitucional, com a consequente e reprovável interpretação da Constituição conforme a lei, que, na doutrina, é objetada por José Joaquim Gomes Canotilho[6]:

A interpretação da constituição conforme as leis têm merecido sérias reticências à doutrina. Começa por partir da ideia de uma constituição entendida não só como espaço normativo aberto mas também como campo neutro, onde o legislador iria introduzindo subtilmente alterações. Em segundo lugar, não é a mesma coisa considerar como parâmetro as normas hierarquicamente superiores da constituição ou as leis infraconstitucionais. Em terceiro lugar, não deve afastar-se o perigo de a interpretação da constituição de acordo com as leis ser uma interpretação inconstitucional, quer porque o sentido das leis passadas ganhou um significado completamente diferente na constituição, quer porque as leis novas podem elas próprias ter introduzido alterações de sentido inconstitucionais. Teríamos assim, a legalidade da constituição a sobrepor-se à constitucionalidade da lei.

Sem embargo, supondo que na vertente contingência de calamidade em saúde pública o art. 486 da CLT encontrasse regular aplicabilidade, insta salientar que, ao contrário do que vem sendo divulgado, a indenização referida pelo preceito legal em estudo é limitada à multa do FGTS, na forma do art. 477 e 497 da CLT, não abrangendo, portanto, todas as verbas rescisórias. Ademais, processualmente, o dispositivo não autoriza o ingresso direto de ação em face do Poder Público. De acordo com o professor e juiz do trabalho Rodrigo Dias da Fonseca[7]:

Assim, de uma maneira bastante sintética, apenas pontuamos que, processualmente, a alegação de fato do príncipe cabe ao empregador, reclamado, em preliminar de contestação (CLT, art. 486, §1º) – e jamais ao reclamante, como se vem equivocadamente divulgando, o qual não possui relação jurídica alguma com o ente público cogitado, faltando-lhe até interesse jurídico para tanto. Caso acolhida a tese e reconhecido o fato do príncipe, o juiz trabalhista desmembrará os pedidos, para autuação apartada do pleito de indenização a encargo do ente público, deslocada no particular a competência para o julgamento à justiça comum, estadual ou federal, conforme o caso.

Com essa breve incursão na questão processual que envolve o tema, apenas pretendemos apontar que, do ponto de vista estritamente econômico, possivelmente seja contraproducente ao empregador postular o reconhecimento do factum principis. Afinal, ainda que acolhida a pretensão, isso decerto implicará custos com o processamento do feito na justiça comum, com custas, taxas, emolumentos e, principalmente, honorários advocatícios contratuais e, quiçá, sucumbenciais.

Resumidamente, em sendo a gravíssima emergência sanitária a imperiosa motivação para a edição dos decretos que determinaram a paralisação de atividades comerciais e industriais, não é possível cogitar, a teor do art. 486 da CLT, de “governo responsável”. Logo, é impróprio classificar os mencionados atos normativos secundários como fato do príncipe.

De outro vértice, insta salientar que a CLT também prevê, no art. 501 e seguintes, a extinção do contrato laboral por motivo de força maior, a significar, consoante já ventilado, um fato imprevisível e de origem indeterminável, que impede a continuidade da relação de trabalho. Nesta hipótese, não há nenhum sujeito a quem atribuir a culpa pela impossibilidade de se continuar a exploração de determinada atividade econômica, já que o fenômeno impeditivo é, como dito, imprevisível, insuperável e de origem incerta, isto é, cuja causa não pode ser atribuída a ninguém. Em circunstâncias tais, a lei trabalhista divide o ônus entre empregador e empregado, reduzindo as verbas rescisórias à metade.

Diante destas considerações, ressoa induvidoso que a interrupção de atividades econômicas por ato governamental, a fim de mitigar sérios prejuízos à vida e à saúde da população, trata-se não de fato do príncipe, mas, indiscutivelmente, de caso de força maior, a afastar a responsabilidade civil estatal, haja vista a ruptura do nexo de causalidade.

Entender de modo diverso seria o mesmo que colocar os entes públicos em uma encruzilhada: se cruzarem os braços e não tomarem enérgicas e necessárias medidas protetivas à saúde da população, poderão ser responsabilizados pelo descontrole epidêmico; se tomarem as providências necessárias, entre as quais a quarentena, poderão ser responsabilizados pelos prejuízos econômicos daí advindos.

Adriane Nogueira Naves Perez, Procuradora do Estado de Goiás Especialista em Direito Civil e Processo Civil, Especialista em Filosofia e Mestranda em Filosofia pela UFG.

Execução fiscal

Procurador-Chefe da Procuradoria de Defesa do Patrimônio Público e Meio Ambiente da PGE, Raimundo Diniz assina artigo publicado neste sábado em O Popular. No texto, o Procurador detalha porquê o trabalho de execução fiscal de créditos do Estado depende de “informações precisas, confiáveis e dinâmicas sobre os devedores e seus bens”.

“As atividades de arrecadação e aplicação de recursos públicos devem ser planejadas (accountability) para serem eficientes, eficazes e efetivas, pois atuação sem planejamento não atinge objetivos e leva ao gasto de má qualidade. E não é possível planejar sem informações.”

Leia o artigo.

Execução fiscal

A execução fiscal é um instrumento jurídico da Política Fiscal cuja principal função é arrecadatória. Os valores arrecadados são destinados à saúde, à educação, à segurança, enfim, aos serviços que garantem a promoção dos direitos fundamentais. Além disso, visa a garantir o recolhimento dos tributos por devedores contumazes, que se valem da sonegação fiscal para praticar concorrência desleal.

Para ser efetivo, esse instrumento deve ser utilizado de maneira estratégica, a partir de técnicas de gestão de créditos baseadas em evidências, o que exige acesso a informações precisas, confiáveis e dinâmicas sobre os devedores e seus bens. Assim, por exemplo, saber se o devedor recebe os valores de suas operações através de cartão de crédito ou débito e quais são as empresas que prestam esses serviços financeiros pode garantir a efetividade da penhora sobre o faturamento do devedor.

Além disso, existem dezenas de milhares de processos em Goiás, por isso, as decisões de gestão não podem ser adotadas em casos isolados. É necessária a classificação prévia desses créditos, a partir de índices pré-definidos e rotinas informatizadas, para identificar quais devem ser objetos de atuação prioritária da PGE, por apresentarem maior viabilidade de sua recuperação. Entre as variáveis apontadas pelos estudos técnicos para essa classificação, muitas estão em bases de dados do Fisco, tais como: data de constituição do crédito, tipo de obrigação (acessória/principal), faturamento, atividade econômica, endividamento e parcelamentos. A rigor, sem acesso a dados confiáveis, não é possível construir modelos estatísticos, rotinas de seleção e movimentação de processos, nem fornecer relatórios adequados para avaliação de resultados e promoção de melhorias.

Como apontam Stephen Holmes e Cass Sunstein, em sua obra O custo dos direitos, a concretização dos direitos fundamentais requer instrumentalização pública e envolve custos. Diante disso, as atividades de arrecadação e de aplicação de recursos públicos devem ser planejadas (accountability) para serem eficientes, eficazes e efetivas, pois atuação sem planejamento não atinge objetivos e leva ao gasto de má qualidade. E não é possível planejar sem informações.

Fonte: Assessoria de Comunicação da APEG | Ampli Comunicação