
Rafael Arruda é procurador-geral do estado de Goiás, doutorando em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Eleições periódicas e temporalidade dos mandatos dos agentes eleitos são aspectos fundamentais em uma democracia. Mas não só. No caso brasileiro, também o federalismo constitui manifestação fundamental para a concretização de uma vontade democrática, tal como talhada pela Constituição Federal de 1988. É cláusula pétrea, uma espécie de não assunto: a forma federativa de Estado não pode ser objeto de emenda à Constituição.
A descentralização, de uma forma ampla, está historicamente ligada à ideia de democracia e eficiência.
Especialmente no Brasil, país com mais de 200 milhões de habitantes e extensa base territorial, o fortalecimento do federalismo aprimora a democracia. É essa a razão de ser de estados e municípios,
com legislativos e executivos próprios. Mais próximos dos anseios e com atenção às realidades e
necessidades locais e regionais da população, melhores escolhas podem ser feitas, no interesse da
coletividade, por aqueles que foram eleitos pelo voto. A despeito disso tudo, a União, mesmo após a
ordem constitucional inaugurada em 1988, sempre se movimentou no sentido de concentrar
competências, notadamente a tributária. Almeja ter alma unitária em um corpo que é- e deve ser – necessariamente federado.
Quanto à reforma tributária, todos reconhecem a importância de um sistema fiscal que seja mais
simples, transparente e justo, especialmente quando se trata de tributação do consumo. No entanto, qualquer reforma tributária que se queira constitucional não deve vulnerar o federalismo brasileiro, que, há muito, deixou de ser um federalismo de cooperação. Torna-se, paulatinamente, um federalismo
de competição, uma espécie de “salve-se quem puder”.
Ora, num tal cenário, não há federação que pare em pé, quando os entes federados são muito dispares entre si. Uma mesa com quatro pés (União, estados, DF e municípios) vai ao chão, quando os seus
alicerces são desiguais, uns maiores e mais fortes que outros. No limite, não é só a forma federativa de Estado que sofre. Éa democracia que experimenta abalos em sua estrutura. Eesse é um ponto que não
pode ser negligenciado, já que, como mostra a história, pode pavimentar o caminho para a construção de regimes autocráticos. O exemplo da Rússia é o mais notável de todos: o processo de
enfraquecimento da democracia, conduzido por seu presidente, Vladimir Putin, passou
necessariamente pelo desmantelamento da federação russa, para concentração de poderes e competências no poder central-presidencial.
No Brasil, a criação do chamado “conselho federativo”, presente na PEC da Reforma Tributária, claramente enfraquece os Estados, concentrando poderes em órgão que, tendencialmente, há de sofrer
influência direta da chefia do Executivo federal, ampliando ainda mais os desequilíbrios federativos. Os riscos diretos à ideia de federação democrática não podem ser ignorados.
Fonte: Jornal O Popular
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