Em artigo publicado no jornal O Popular desta quinta-feira, 05, o procurador do Estado de Goiás Rafael Arruda criticou desvios de finalidade na criação das OSs. Confira o artigo na íntegra:
A vontade de ser OS
Nos últimos tempos, tenho ouvido por parte de alunos, amigos, colegas de trabalho e até mesmo de autoridades, em conversas que, muitas das vezes levam um tom prosaico, os seguintes questionamentos: o que leva alguém a criar uma entidade privada filantrópica e qualificar essa mesma entidade como organização social (OS)? Se as OSs não podem obter lucro com a sua atividade, o que é que move tais coletividades? O que há por trás disso tudo? A despeito do esforço, não tenho conseguido ofertar respostas que convençam.
Em teoria, dito pode ser que as OSs buscam, desinteressadamente, servir à sociedade, com a finalidade de realizar o bem comum. No país, as legislações sobre o assunto, transversalmente, imprimem às OSs esse caráter. É o que se pode chamar de empreendedorismo social, malgrado a vagueza do termo. Ao proferir tal repertório, os interlocutores quase sempre me olham de soslaio, sendo a incredulidade a face mais evidente.
Nestes modelos de gestão compartilhada da coisa pública, os problemas começam a surgir quando agentes mal-intencionados, travestidos de filantropos, pretendem celebrar parcerias com a administração pública, com a finalidade, a partir daí, de praticar toda a sorte de traficâncias, por meio de práticas normalmente corruptivas.
Desvios de recursos, conluios, favoritismos e sobrepreços nas contratações realizadas pelos parceiros privados, servindo-se de recursos públicos e fraudes nas prestações de contas, são, apenas para exemplificar, alguns dos condenáveis comportamentos que podem ser adotados por entidades privadas para a percepção de execráveis vantagens indevidas. Por outras palavras, trata-se, a mais não poder, de um jeito macunaímico de tratar a coisa pública, passando o privado de parceiro a anti-herói.
Se é certo que nestes novos arranjos institucionais não há lugar para o lucro e para a atividade empresarial, porque, como dito, este é (e deve ser!) o ambiente da filantropia (terceiro setor), também é certo afirmar não poder ser este o local para os desvios de finalidade, a improbidade e a corrupção. Ao recorrer às parcerias sociais com as entidades privadas, coisa que hoje se pratica em muitas nações avançadas, o poder público reconhece que, se deve ter o primado, não deve deter o exclusivo na efetivação dos direitos sociais.
A teoria, assente em várias paisagens administrativas, é a de que a transferência da gestão de um determinado serviço social (saúde, educação, cultura etc.) cria, supostamente, certos incentivos. Com efeito, esse aspecto da teoria está certo. O problema é que, para além de incentivos legítimos, outros tantos incentivos errados e condenáveis podem, por omissão governamental, ser fomentados.
Enfim, a intenção dessa manifestação não é, sob hipótese alguma, propor o retorno ao estatismo de outrora, até porque Estado moderno pressupõe Estado modesto. A finalidade é apenas a de assentar que há certas questões que, por ocasião da execução de ajustes de parceria, tais como transparência, impessoalidade e probidade na utilização dos recursos públicos, requerem maior atenção de todos: do poder público, dos órgãos de controle externo, notadamente Ministério Público e Tribunais de Contas, e, claro, da sociedade civil organizada. Sob pena de se ter o prelúdio do malogro de um modelo alternativo de gestão da coisa pública, é preciso prestar atenção a essas contingências e variáveis. Somente assim, aqueles questionamentos iniciais aqui apresentados deixarão de inquietar os espíritos.
Rafael Arruda, mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal) é professor universitário e procurador do Estado.
Link para acesso: http://www.opopular.com.br/editorias/opiniao/a-vontade-de-ser-os-1.982296
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