Confira o artigo do procurador do Estado de Goiás Rafael Arruda, veiculado no jornal O Popular no dia 22/08.
Como parametrizar a transferência de recursos públicos às organizações da sociedade civil? Em um ambiente de parcas disponibilidades financeiras, como definir as entidades que serão e as que não serão contempladas com o recebimento de verbas públicas? Que requisitos exigir das ONGs que almejam estabelecer parceria com o poder público? Como, enfim, imprimir maior rigor no repasse de recursos do erário às entidades do terceiro setor?
Se é verdade que existem no País inúmeras organizações filantrópicas sérias, que realizam um importante trabalho de prestação de serviços sociais de relevância para a coletividade, como aqueles historicamente executados pelas Apaes e Pastoral da Criança, deslembrados não podem ser que variados são, por outro lado, os casos de fraudes, desvios e falcatruas, em conluio ou não com agentes públicos, praticados por entidades filantrópicas, a ponto de, em 2001, ter havido no Senado Federal a instalação do que se denominou de CPI das ONGs, e que retornou àquela Casa posteriormente nos anos de 2006 e 2007.
Aliás, irregularidades identificadas no repasse de recursos a organizações de caráter não lucrativo em 2011, somadas às traficâncias inescrupulosamente cometidas por entidades do Terceiro Setor, levaram à queda de importantes auxiliares do Executivo federal.
Ora, o relacionamento dos poderes públicos com os organismos filantrópicos não pode ocorrer em um nível paroquial ou de compadrio, permeado pelas trocas de favores ou de interesses, pela singela razão de recursos públicos de toda a coletividade se encontrarem em causa. Editada pela União no último dia 1º de agosto, a Lei federal número 13.019/14, assumindo o status de marco regulatório geral, bem parece representar o restabelecimento do elo perdido rumo a uma ambiência juridicamente adequada para a atuação das entidades do terceiro setor, com afastamento dos casuísmos, dos privilégios e das conveniências, tudo pautado por regras claras, objetivas e transparentes para as relações de emparceiramento público-privado.
Com natureza jurídica de norma nacional, a Lei federal 13.019/14 é de observância obrigatória pela União, Estados, Distrito Federal e municípios. No lugar dos genéricos “convênios”, agora restritos apenas às parcerias entre entes públicos, disciplina a referida lei a celebração do Termo de Colaboração e Termo de Fomento, com requisitos específicos a serem atendidos.
Além disso, torna-se agora obrigatória a realização de chamamento público, com a finalidade de evitar quaisquer privilégios ou favoritismos relativamente aos destinatários das verbas públicas. Outrossim, a lei nacional exige que possua a entidade filantrópica três anos de existência, para afastar dos ajustes de parceria aquelas sem preparo técnico ou sem estrutura para a execução dos projetos. Dentre outras novidades, prevê a lei a exigência de “ficha limpa”, tanto para as organizações quanto para os seus dirigentes, cujo objetivo, inescondível, é o de coibir a corrupção e trazer segurança à atuação das entidades de fato comprometidas com o interesse público, que há de ser sempre característica desse espaço e dos agentes que o povoam.
Enfim, reconhecida a importância do papel das entidades filantrópicas no ciclo das políticas públicas, a Lei nacional 13.019/14, ao dar concretude a um tema que há muito se encontra na agenda da Administração Pública brasileira, franqueia o atingimento de uma gestão proba e republicana dos poderes públicos, por meio de regras luminosas para o acesso legítimo, democrático e transparente das entidades do Terceiro Setor aos escassos e tão disputados dinheiros públicos.
Rafael Arruda é advogado, mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade de Lisboa (Portugal), procurador do Estado (Casa Civil) e professor convidado da Faculdade de Direito da UFG
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