O procurador do Estado Guilherme Resende Christiano teve seu artigo publicado no site A Redação na última quarta-feira, 11. Confira abaixo na íntegra:

AGU e a Emenda 50

Em artigo publicado neste espaço, no dia 12 de janeiro de 2015, discutimos a publicação da Emenda Constitucional 50 no âmbito do Estado de Goiás, que instituiu a “Procuradoria Autárquica”. Na oportunidade, defendemos a inconstitucionalidade desta, diante do artigo 132 da Constituição Federal combinado com o artigo 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

A tese é simples: o artigo 132 da CF concede aos Procuradores do Estado, com exclusividade, a representação judicial e consultoria jurídica do ente federado, sem qualquer restrição à administração direta ou indireta, sem qualquer ressalva quanto ao Poder Executivo, Judiciário, Tribunal de Contas, etc. Em síntese, os Procuradores do Estado, após aprovação em concurso público de provas e títulos, com participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em todas as fases, são os únicos agentes públicos legitimados a atuar em nome do ente federado, incluída neste conceito a administração indireta, que abarca as autarquias estaduais.

Reforçando esta interpretação, o artigo 69 do ADCT permite que os Estados mantenham consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais desde que tais órgãos existissem antes da Constituição de outubro de 1988. É o caso da Procuradoria da Assembleia Legislativa de Goiás, órgão separado da PGE-GO, que, por existir antes de 1988, permanece de forma legítima no mundo jurídico.

Contra a Emenda Constitucional 50, foi proposta no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) Nº 5215. Nesta, antes de seu julgamento pelo Plenário do STF, manifestam-se o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República. No dia 9 de fevereiro de 2015 o Advogado-Geral da União apresentou sua manifestação.

É interessante perceber que cabe a ele, em regra, a defesa do ato impugnado (artigo 103, inciso 3º da CF). Portanto, deveria defender a compatibilidade da Emenda 50 com a Constituição Federal. Contudo, diante da existência de precedentes do STF no sentido da flagrante inconstitucionalidade da Emenda 50, o Advogado-Geral da União manifestou-se pela procedência da Adin e, desta forma, pela declaração de inconstitucionalidade do ato impugnado. Os motivos já são por nós conhecidos. Vejamos a ementa da manifestação:

“Constitucional. Artigos 1° e 3° da Emenda Constitucional n° 50/1-1 e artigo 92-A da Constituição do Estado de Goiás, que dispõem sobre a criação da carreira de procurador autárquico. Atribuições referentes à representação judicial de autarquias e fundações estaduais, bem como ao exercício de atividades de consultoria e assessoramento jurídicos. Por força do disposto no artigo 132 da Constituição da República, compete privativamente aos Procuradores do Estado a atividade de representação judicial e de consultoria jurídica do respectivo ente federado. A exceção constante do artigo 69 do ADCT não autoriza a criação de novas instituições de caráter permanente para a execução de atividades de consultoria jurídica de órgãos e entidades estaduais. Precedentes dessa Suprema Corte. Manifestação pela procedência do pedido veiculado pela requerente”.

É interessante notar que o Advogado-Geral da União, em trecho esclarecedor, fulmina totalmente um dos argumentos dos beneficiados pela inconstitucional Emenda 50: a tese de que o que se está a fazer no âmbito do Estado de Goiás foi feito na própria AGU, quando da criação da Procuradoria Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União, a quem compete a atuação jurídica junto às autarquias federais. Confira-se:

“Diante do exposto, nota-se que a estrutura constitucional das Procuradorias estaduais contempla característica que a diferencia da organização conferida pelo artigo 131 da Lei Maior aos órgãos responsáveis pela representação judicial e extrajudicial da União. De fato, quanto ao ente central, o referido dispositivo constitucional prevê que tais atividades jurídicas podem ser exercidas diretamente pela Advocacia-Geral da União ou por meio de órgão a esta vinculado, o que fundamentou a criação da Procuradoria-Geral Federal, a quem compete a ‘representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais, as respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos’ (artigo 10 da Lei n° 10.480/02). Por sua vez, no que diz respeito às Procuradorias estaduais, a única exceção expressa ao princípio da unicidade previsto no artigo 132 da Constituição Federal encontra-se no artigo 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que permite aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais, desde que tais funções já fossem exercidas por órgãos diversos na data da promulgação da Cal1a Republicana de 1988”.

Não resta muito a ser dito. A situação da AGU não se aplica à realidade dos Estados. Quanto à União, a própria Constituição permitiu a criação de órgãos de representação judicial e consultoria jurídica vinculados à AGU. Ao tratar dos Estados, não o fez. Pelo contrário, vedou, através do artigo 69 do ADCT, a criação de novos órgãos, consagrando a regra da unicidade da representação e consultoria jurídica do Estado-membro. Diante disso, fica claro que o único órgão responsável por prestar consultoria e representar judicialmente o ente federado é a Procuradoria-Geral do Estado, através de seus Procuradores aprovados em concurso público específico para tal carreira. Ninguém mais.

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