Dá pra ser mais claro, doutor?

Há algum tempo, os assuntos Direito e Justiça transbordaram dos seus caldeirões para derramar, sem aviso, no colo dos espectadores brasileiros.

Temas antes circunscritos às rodas de entendidos, os recursos, agravos, efeitos suspensivos e embargos, passaram a fazer parte do cotidiano da população, concorrendo com as paixões nacionais e as calorosas discussões sobre política eleitoral.

A avalanche de informações codificadas jorrou através dos noticiários, mas não veio acompanhada de tradutor e muito menos de tecla “SAP”.

O fenômeno, iniciado com o julgamento do “mensalão” e potencializado pelas discussões do processo de impeachment da presidente Dilma Roussef, saudável porque virou os olhos fiscalizadores da população para o processo judicial, trouxe consigo efeitos colaterais danosos.

Embora exista quem, a priori, duvide da lisura de algumas decisões do Poder Judiciário, a maioria da população, que passou a acompanhar mais de perto a aplicação do ordenamento jurídico pelos tribunais, se revolta, paradoxalmente, em razão da mais estrita observância de nosso ordenamento jurídico.

Se é verdade que parte da confusão ocorre porque aqueles olhos fiscalizadores, ou a maioria absoluta deles, não foram preparados tecnicamente para absorver e interpretar o Direito aplicado, é mais certo ainda que o grande problema é causado pelo difícil acesso cognitivo àqueles não familiarizados com a linguagem técnico-jurídica.

Entender que agravos de instrumento não são “pioras no estado de saúde da picareta”, passa por um prévio entendimento de termos muito próprios de quem lida com o direito no dia a dia.

Por um motivo ou por outro, relaxamentos de prisões em audiências de custódia decretadas por ausência de requisitos para a manutenção no cárcere, transformam-se no famoso “a polícia prende e justiça solta”.

A correção destas distorções passa por uma mudança de postura, que, de fato, já começou a ocorrer, das instituições componentes do sistema de justiça. É preciso, dada a irreversibilidade do processo de democratização do acesso ao trabalho desenvolvido pelos tribunais, intenso investimento de tempo e dinheiro em verdadeiros programas de “tradução” do “juridiquês” para torná-lo, senão completamente acessível, mais palatável aos novos espectadores do “fabuloso mundo da justiça”.

— No popular, é preciso atender ao anseio da população dando solução à pergunta: Dá pra ser mais claro, doutor?

Tomaz Aquino. Advogado especialista em relações com o Poder Público. Procurador do Estado de Goiás. Presidente da APEG.

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