O procurador do Estado Cláudio Grande Júnior teve seu artigo publicado no jornal O Hoje desta sexta-feira, 30. Confira abaixo na íntegra:

Situação constitucional imperfeita

Em novembro, a Procuradoria-Geral do Estado de Goiás comemorou 50 anos. Em dezembro, a instituição foi surpreendida pela Emenda Constitucional Estadual 50, que subtraiu parte das competências que deveriam ser exercidas pela PGE.

A emenda modificou a Constituição Estadual para criar a carreira de procurador autárquico, a partir da transformação dos atuais cargos de gestor jurídico, advogados e procuradores jurídicos. A medida é inconstitucional, não só porque desrespeitou o processo legislativo por vícios de iniciativa e de tramitação, como também por ferir o art. 132 da Constituição Federal, que confere aos procuradores dos Estados e do DF “a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas”. Desrespeita igualmente o art. 69do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF, que proíbe a criação, nos Estados, de novos órgãos de advocacia estatal separados de suas Procuradorias-Gerais de Estado.

Não podem ser criados outros cargos e carreiras com atribuições equivalentes a de procurador do Estado, muito menos um órgão de advocacia de Estado paralelo à PGE. É assim para garantia da segurança jurídica e da uniforme na aplicação do direito no âmbito da administração pública estadual. Integrantes de carreiras e órgãos separados terão interpretações divergentes sobre as questões jurídicas controvertidas, arruinando a segurança jurídica e a uniformidade na aplicação do direito no seio da administração.

Os defensores da EC 50tentam contornar a questão alegando que os procuradores do Estado só poderiam exercer a chamada administração pública direta. Alegam que estas entidades, por serem dotadas de personalidade jurídica, bens próprios e autoadministração, deveriam ter um corpo próprio de procuradores, distintos dos procuradores do Estado.

Porém, esquecem que os mencionados atributos dessas entidades decorrem da vontade estatal de conferir maior especialização ao desempenho de certas atividades públicas típicas, visando, em última análise, maior eficiência. Não significa, portanto, que as entidades autárquicas sejam dotadas de completa autonomia perante o Estado. Ao contrário, estão sujeitas à fiscalização finalística e submetidas aos mesmos mecanismos de controle interno da administração direta, porque também são pessoas de direito público. Uma das facetas desse controle administrativo é o controle jurídico, exercido constitucionalmente pela PGE. Não pode a advocacia de Estado das pessoas jurídicas de direito público ser atribuída a advogados que não integrem a PGE. Anova carreira de procurador autárquico e a nova procuradoria-geral autárquica fariam parte da administração direta ou constituiriam uma nova autarquia, de modo que a própria administração direta ou uma autarquia estariam juridicamente controlando as outras, retornando ao problema inicial da autonomia das autarquias, com o gravame agora da advocacia de Estado não ser exercida pela PGE.

Autarquias são criadas e extintas por lei ordinária, sem maiores dificuldades. Certas atividades públicas ora são desempenhadas pelo próprio Estado, ora por entidades autárquicas. Para burlar a CF e afastar os procuradores do Estado de certos casos, bastaria criar uma autarquia.

Arestas legais e conflitos jurídicos entre autarquias ou entre autarquias e o Estado são dirimidos na PGE. Conferir a advocacia de Estado nas autarquias a procuradores que não integram a PGE é abrir a possibilidade de levar essas discussões a juízo.

Para a completa concretização do art. 132 da CF é necessário prosseguir com a estruturação da PGE, no sentido desta assumir definitivamente os serviços jurídicos das entidades de direito público da administração indireta. Até recentemente, nem mesmo os da administração direta do Executivo estavam inteiramente sob o controle da PGE, ao passo que esta ainda desempenhava funções que indiscutivelmente cabiam à Defensoria Pública. Havia e ainda há uma situação constitucional imperfeita, de progressiva inconstitucionalidade enquanto a PGE não assume inteiramente suas competências constitucionais, mas que não admite retrocessos como o da malfadada EC.

Cláudio Grande Júnior é procurador do Estado de Goiás

 

 

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