Claudiney Rocha é procurador do Estado de Goiás e presidente da Associação dos Procuradores do Estado de Goiás

Quando pensamos que a escravidão da população negra no Brasil foi abolida apenas em 1888, temos a dimensão de quanto ainda há de caminhada para reverter os estragos causados por ela. São quase 400 anos de escravidão, prevista em lei, e praticada a olhos vistos em todas as regiões do nosso País. Depois disso, temos quase 150 anos de escravidão velada, racismo escancarado e um sistema econômico e social que fomenta a desigualdade em prejuízo de pessoas pretas, pardas e indígenas.

Por isso, cada passo que damos no enfrentamento desta que deve ser a nossa maior vergonha, como é o Holocausto para os alemães ou a Grande Fome para os ucranianos soviéticos, é gigante e imprescindível. Este mês, a PGE-GO anunciou a criação de um programa gratuito de Estudos Dirigidos em torno de temas plurais do Direito Público e, pela primeira vez, aberto ao público externo com cotas reservadas à participação de estudantes e bacharéis em Direito afrodescendentes, pessoas com deficiência, quilombolas, indígenas, travestis e transexuais.

Essa inclusão da diversidade entre nossos pares, dentro do poder público, é um sinal altivo de mudança. Permitir que o Direito Público esteja acessível a grupos marginalizados da nossa sociedade, assim como trazer para dentro da estrutura do Estado pessoas com vivências e origens diferentes, será enriquecedor.

Tenho defendido há tempos a inclusão de cotas nos concursos públicos, dentro das Procuradorias e em toda administração pública. A exemplo do que ocorreu na educação superior, que há dez anos foi modificada pela Lei de Cotas, creio que precisamos criar outras oportunidades para valorizar a identidade negra e indígena neste país.

O acesso ao ensino, o acesso ao concurso público, o acesso ao sonho que todo pai tem para um filho de um futuro melhor deve ser garantido pelo estado. Trata-se de uma correção de rota, uma equalização de oportunidades em um país que colocou à margem aqueles que o construíram, pedra por pedra.

A tragédia do racismo no Brasil nasce na maternidade, tendo a população preta como a maioria em números e na pobreza. E somos responsáveis, como cidadão e como agentes públicos, por reduzir os danos provocados pelas questões raciais na nossa sociedade.

Vimos um novo governo se levantar em uma rampa simbolicamente prestigiada por vários grupos e, na nomeação dos ministros, uma diversidade nunca vista. Agora, é preciso que estes rostos tomem para si a liderança de um projeto coletivo de transformação, de equiparação de oportunidades e de mitigação dos danos causados. Para termos um Brasil de fato livre e de fato arrependido de tantos anos de escravidão, teremos que dar muitos passos nessa nova direção.

Fonte: Rota Jurídica

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