Há pelo menos três meses, a consultoria jurídica e a representação judicial dos órgãos públicos de Goiás estão nas mãos de uma nova carreira: a dos procuradores autárquicos. O quadro foi criado por uma emenda à constituição daquele estado, aprovada em dezembro pela Assembleia Legislativa do estado.
Mas a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape) não gostou da novidade. Por isso, protocolou no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.215/GO) para derrubar a Emenda Constitucional 50/2014, que criou a carreira. A ADI está sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso e já está pronta para ser julgada.
A norma designou como procuradores autárquicos todos os gestores jurídicos, advogados e procuradores jurídicos que são estatutários e que hoje atuam nos diversos órgãos públicos do estado. A estimativa é que mais de 200 servidores ingressem na nova carreira sem ter que prestar concurso público específico.
O presidente da Anape, Marcelo Terto (foto), afirma que a norma viola à Constituição Federal, que confere, no artigo 132, às procuradorias dos estados e do Distrito Federal a competência para prestar consultoria jurídica e proceder a representação judicial. O dispositivo estabelece: “os procuradores do Estado e do Distrito Federal, organizados em carreira para a qual o acesso se dá, na classe inicial, mediante concurso público, são titulares exclusivos das atribuições de prestar consultoria jurídica e exercer a representação judicial do ente federado regional”.
Segundo o presidente da associação, a Emenda 50/2014 fere também o artigo 69 do Ato das Disposições Transitórias. O dispositivo admite exceção à regra do artigo 132 apenas para autorizar a manutenção das estruturas organizacionais já existentes à época da promulgação da Constituição de 1988. Nesse caso, os estados têm autorização para manter as consultorias jurídicas separadas das suas procuradorias-gerais ou advocacia-gerais.
“Os procuradores do estado e do Distrito Federal têm competência exclusiva para fazer consultoria jurídica e a representação judicial dos entes federados. Ao longo do tempo, pela falta da estruturação da procuradoria, criou-se alguns cargos cuja constitucionalidade é objetivo de outra ação no Supremo. Com essa emenda, o que se pretende, na verdade, é constitucionalizar essas carreiras, o que viola não só a regra do concurso público, mas também a competência das procuradorias”, afirmou o presidente da Anape.
A ação da Anape chegou ao Supremo em janeiro e já ganhou adesões. Os estados do Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Rondônia, Roraima, Pernambuco, Tocantis e Maranhão ingressaram no processo como amicus curiae. Segundo Terto, também por sofrerem pressão para que editem emendas semelhantes as suas constituições.
Pareceres
Em fevereiro, a Procuradoria-Geral da República e a Advocacia-Geral da União emitiram parecer favoráveis à inconstitucionalidade da norma. “A Emenda 50/2014, a pretexto de reunir em única carreira servidores e empregados públicos que exerciam atribuições idênticas ou assemelhadas, como a representação judicial e consultorias jurídicas em autarquias estaduais, operou verdadeira transformação de cargos, com burla à clausula constituição do concurso público”, diz o parecer assinado pelo PGR, Rodrigo Janot.
“O simples exame da legislação estadual demonstra que parcela significativa dos servidores públicos que terão seus cargos de procurador autárquico foram admitidos no serviço público após o advento da Carta Republicana de 1988, a exemplo dos ocupantes dos cargos de gestor jurídico, criados pela Lei 13.902/01. Constata-se, portanto, que a disciplina instituída pelas normas atacadas acerca da carreira de procurador autárquico incompatibiliza-se com o disposto no artigo 132 da Lei Maior”, diz o parecer assinado pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams.
(Escrito por Giselle Souza, da ConJur)
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