Por Claudiney Rocha Rezende e Marcílio Ferreira Filho
A palavra “produtividade” designa a qualidade de ser produtivo, ou seja, aquilo que é produzido: o resultado. Produtividade não significa trabalhar mais e sim ter mais resultados com esforços cada vez mais eficientes. No Estado, no entanto, isso encontra barreiras não só legais, mas também, e especialmente, comportamentais.
Não são muitos os gestores públicos que possuem qualificação sobre gestão, liderança e políticas públicas, sendo várias decisões tomadas com base em intuição. O problema é que a perspectiva cultural é baseada ainda em uma mentalidade ultrapassada e a busca pela eficiência pode cair no erro de ficar apenas no discurso.
Um Estado eficiente exige adaptação na forma de trabalho, qualificação e uso de ferramentas de gestão. A quarta revolução industrial (e até a quinta que já se fala) requer novas habilidades no setor público, tudo isso reforçado com a pandemia.
Questões comportamentais são problemas de difícil enfrentamento em qualquer área, especialmente porque envolve aspectos que vão muito além do aspecto cognitivo. É preciso trabalhar a inteligência emocional, por exemplo, que é uma área quase nula em muitos órgãos e entidades do Poder Público.
O próprio Brasil é um país com números alarmantes quando o assunto é a saúde mental, sendo o país com maior número de pessoas ansiosas (9,3% da população), perdendo apenas para o Japão, segundo estudo da OMS.
Os desafios no setor público são ainda maiores porque a percepção da sociedade sobre esse setor nem sempre é a melhor. A título de exemplo, o Índice de Percepção da Corrupção em 2019 apontou para mais uma queda do Brasil, com 35 pontos de um total de 100 pontos. De 180 países e territórios, o país caiu para 106º lugar, com a sua pior colocação na sequência histórica. Isso demonstra uma visão negativa que muitos possuem sobre a função pública.
Muitas visões sobre o serviço público ainda estão enraizadas com uma mentalidade de que a “forma” é mais importante do que o “resultado” e é exatamente essa mentalidade fixa que precisa ser modificada, o que não será obtido por meio da edição de uma lei ou norma.
Para essa adaptação, não basta editar leis, é preciso implementar, na prática, mecanismos de gestão, tais como: gestão por competências; implementação do teletrabalho como regra e não como exceção; estímulo à criatividade e inovação; fixação de metas e objetivos claros; mecanismos de feedback; comunicação interna e externa adequadas, entre outros.
É preciso, cada vez mais, que líderes da administração pública tenham conhecimento sobre liderança. Os gestores públicos precisam ter conhecimento de gestão em uma realidade totalmente nova. Não se muda a realidade por uma canetada, mas sim por meio de uma liderança inspiradora.
Claudiney Rocha Mestre em Direito, Procurador do Estado e presidente da Associação dos Procuradores do Estado de Goiás
Marcílio Ferreira Filho Doutor em Direito, Procurador do Estado, Advogado e Professor
Por Bruno Belem, Advogado, mestre em Ciências Jurídico-Políticas e Procurador do Estado de Goiás
Dirigentes de Goiânia e representantes do setor imobiliário discutem as propostas de modificação do Plano Diretor. O grupo de trabalho que foi formalmente constituído por decreto tem até o dia 19 de maio para elaborar relatório final com sugestões de adequação ao projeto. Neste contexto, algumas associações de bairro da capital e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo pediram um lugar à mesa, como noticiado pelo POPULAR. Se as discussões estivessem sendo realizadas por videoconferência, poderia ser dito que elas buscam um espaço na tela.
A justa reivindicação está relacionada à gestão democrática da cidade. A expressão já está por demais desgastada, mas carrega consigo uma ideia muito poderosa, a de que a cidade deve ser resultado de um processo de planejamento, execução e acompanhamento que envolva a participação da sociedade civil.
Existem mais de uma dezena de rebuscados dispositivos legais que comprovam a necessidade de participação de associações representativas da comunidade no processo de desenvolvimento urbano. As normas vão desde a Lei Orgânica, passando pela Lei de Processo Administrativo, até o Estatuto da Cidade. Por outro lado, é de se esperar que os debates sejam encerrados, já que discussões intermináveis sem o devido encaminhamento prático não atendem ao interesse coletivo.
A direção da administração pública compete ao prefeito e a seus auxiliares. Em termos jurídicos, diz-se que a eles cabe o exercício da competência administrativa discricionária. Isto é, o gestor público pode decidir de acordo com critérios de conveniência (como fazer) e oportunidade (quando fazer), observados os limites da lei. Por isso, alguns dirão que o prefeito não é obrigado a constituir grupo de trabalho com tal ou qual composição para avaliar as sugestões de adequação do projeto.
Todavia, é razoável supor que, uma vez constituído o grupo, o chefe do Poder Executivo deveria ter garantido a participação equitativa de associações representativas dos segmentos sociais. O grupo de trabalho poderia continuar com a atual composição majoritária de agentes públicos, mas a isonomia deveria ter orientado o critério de seleção dos representantes da sociedade civil. Como medida de justiça, se poderia admitir a participação de dirigentes de associações de moradores, bem como de representantes de conselhos de fiscalização ou de instituições de ensino superior. Assim, o grupo contaria com pessoas dos setores de produção (incorporadores e construtores) e de usuários do espaço urbano (associações de bairros).
Embora a democracia não seja um fim em si mesma, ela é instrumento de concretização dos valores essenciais da convivência humana. Existe uma difícil e por vezes conflituosa relação entre democracia e eficiência. Sob a perspectiva econômica, compartilhar o processo decisório gera custos de transação. De outro ponto de vista, não raras vezes decide-se melhor por meio da deliberação de grupos de formação heterogênea. A lógica, neste caso, está em contrapor os vieses associados a cada grupo de interesse, de modo que, ao final, o agente público produza a melhor decisão possível.
As normas de direito urbanístico existem para qualificar como lícitas ou ilícitas as condutas tanto dos agentes públicos como dos interessados privados. Não é preciso buscar na legislação o fundamento jurídico para se admitir a participação de associações de moradores no grupo de trabalho de análise das modificações do Plano Diretor. Ou seja, não seria necessário saber se a conduta do prefeito é legal ou ilegal. Antes, o valor da gestão democrática, por si só, torna conveniente e oportuna a pretendida colaboração.
Por Rafael Arruda, Advogado especializado em Direito Administrativo e Procurador do Estado
O leilão da internet 5G no Brasil está previsto para ocorrer ainda no 1º semestre de 2021. A tecnologia apresenta potencial para revolucionar a indústria de telecomunicações. E, como não poderia deixar de ser, a sua implantação no país tem atraído a atenção de grandes empresas e conglomerados mundiais de tecnologia, dado o enorme potencial de expansão da rede, sobretudo quando grande parte do território nacional sequer conta com a rede 3G, dada a deficiência de infraestrutura.
O Brasil possui hoje pouco mais de 100 mil antenas instaladas. Para a tecnologia 5G, será necessário quintuplicar esse número, a fim de que um serviço de qualidade possa ser oferecido à população. Publicada em 2015, a chamada “Lei das Antenas” buscou facilitar o processo de licenciamento, instalação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações, com o propósito de torná-lo compatível com o desenvolvimento socioeconômico do país.
É neste cenário que os municípios brasileiros terão um papel fundamental, já que lhes compete licenciar a instalação da correspondente infraestrutura de suporte em área urbana, o que, por evidente, vai depender da disciplina regulatória de cada ente municipal, umas complexas e burocráticas, outras mais simplificadas e céleres.
Caberá, portanto, aos municípios dar guarida – e não representar um obstáculo – à implantação da tecnologia 5G no país, tão fundamental para diversos setores da economia, como a logística, a agricultura, a prestação de serviços, a indústria e por aí afora.
Em determinados municípios brasileiros, o tempo de tramitação de um processo administrativo de licenciamento para a instalação de antenas pode chegar a 3 anos, em percurso moroso e complexo. Já municípios mais modernos e tecnológicos, como o de Porto Alegre, dão exemplo de avanço administrativo e simplificação, por meio de um modelo de autolicenciamento para pequenas estruturas, em que o respectivo processo dura, em média, 1 dia.
Como, porém, nem todas as cidades brasileiras contam com a mesma facilitação normativa e administrativa, cuidou o decreto federal que regulamenta a Lei das Antenas de estabelecer a figura do silêncio positivo: não cumprido o prazo de 60 dias para a emissão de licença para a instalação de infraestrutura de telecomunicação, a pessoa física ou jurídica requerente ficará autorizada a realizar a implantação da antena.
Ou seja, o silêncio, a morosidade e a ausência de tempestiva resposta por parte do Poder Público municipal passam a produzir efeitos favoráveis ao requerente do ato de autorização, usufruindo de uma posição de vantagem perante a Administração. Com efeito, as novas tecnologias e o desenvolvimento econômico, intolerantes que são ao descaso administrativo, não podem ser reféns de autoridades municipais que nutrem pouco apreço por objetivos socialmente relevantes.
A edição 249 da Revista Justiça & Cidadania traz artigo exclusivo da segunda Vice-Presidente da ANAPE, Cristiane Guimarães, sobre a Reforma Administrativa que está em discussão neste momento no Congresso Nacional. Confira abaixo a íntegra ou acesse aqui:
Toda reforma administrativa é fruto de processo histórico com dimensões proporcionais às crises. Aquela dos anos 1980, muito crítica às formas de intervenção ou regulação do Estado, deixou o legado do realismo para os anos 1990, de que se deveria abandonar a ideia conservadora do Estado mínimo para a necessidade de reconstrução.
A reforma do Estado dos anos 1990 envolvia quatro problemas, dois político-econômicos (a delimitação do Estado e a redefinição do papel do Estado-Regulador), um econômico-administrativo (a recuperação da governança) e, afinal, um político (o aumento da governabilidade).
As ideias de privatização, terceirização e a intervenção econômica do Estado no mercado estão nos dois primeiros problemas. A superação de crise fiscal, as formas de intervenção no plano econômico-social e a superação da burocracia administrativa do Estado, incluem-se no terceiro problema. Já a legitimidade do governo perante a sociedade e, especialmente, a intermediação dos interesses, adequadamente, pelas instituições políticas, têm morada no quarto problema.
Esses problemas foram mapeados pela equipe econômica da reforma administrativa de 1990 e de lá para cá, após 32 anos, a antever o caos advindo dos ares da nova reforma administrativa, o pressuposto do regime democrático deixou de ser o valor final.
Mas que modo de fazer reforma é este que se inaugura, pois não cuidou de identificar os reais problemas? Ao invés disso, buscou implodir a lógica dos mecanismos de controle da tríade – Estado, mercado e sociedade civil. Em especial, deseja-se com a dita “nova administração pública” dar fim ao sistema de controles do Estado, ao sistema de controle jurídico, constituído por normas gerais que estabelecem os princípios básicos para os demais mecanismos.
Pois bem, aqui se trata da deliberada intenção política de desfazer o marco natural do constituinte de 1988, que outrora desafiou o establishment e esculpiu a Constituição Cidadã esteada no Estado Democrático Social de Direito. É contra isto que se direciona a referida proposta de emenda constitucional (PEC), volta-se ao desmonte da administração pública, incidindo, especialmente, sobre seu leque de controles, ao invés de apurar a visão e conter o patrimonialismo e o aparelhamento de poder, tomando-se como exemplo, a novidade dos contratos de gestão com a transferência da execução de serviços públicos para entes subnacionais e entidades privadas.
Se o Estado é fundamental para promover o desenvolvimento e a justiça social e não somente o garantidor da propriedade ou da ordem, se o modelo do Estado social-liberal do Século XXI, encartado na Constituição, não serve mais à contemporaneidade e, supostamente, necessita de mudanças, que sejam apontados, aprioristicamente, os problemas.
Exatamente no que atine ao terceiro problema identificado na anterior reforma é que reside um dos maiores empecimentos da que brevemente está por vir – a ausência de legitimidade do governo perante a sociedade. Os primeiros desenhos e as pinceladas rarefeitas já contornam a obra da seguinte forma: as representações políticas do povo no parlamento estão enfraquecidas por interesses e jogos políticos motivados pelo rent seeking, combinados com a vontade de reeleição e o provável esfacelamento do corpo administrativo, antes composto da alta burocracia técnica e capaz, esvaziada, agora, com a proposta de eliminação do concurso, da estabilidade e fim do regime jurídico único, levando ao insucesso a governança, exatamente como mal alumia os termos da reforma proposta.
Mas então chegamos à dimensão política da reforma administrativa, esta que não poderia ter sido deixada de lado em nenhuma das recentes PECs, pois não estamos verdadeiramente diante de uma crise de Estado a ensejar a reforma administrativa que se apresenta, contudo estamos a encarar uma crise política, sendo esta sinônimo de crise de governabilidade.
Isto porque, o governante não é responsável pelo seu mandato apenas, mas também o é, perante sua consciência, e por isso, uma condição essencial da governabilidade é a responsividade com o eleitorado. Na perda de legitimidade perante a sociedade e na inadequação das instituições para o exercício do poder político, hoje impera o Fi-lo porque qui-lo! Ato de autoridade política dos mais desnudados das virtudes aristotélicas, que sequer teria o beneplácito da ignorância a absolvê-lo.
Seguimos com Bobbio, “Um representante sendo chamado a perseguir os interesses da nação, não pode estar sujeito a um mandato imperativo”.
Assim é de se questionar: uma reforma administrativa é necessária hoje? Qual reforma administrativa precisamos? Se o Estado serve para prestar segurança pública e prestar serviço público, uma reforma pode pretender trazer “piorias”, investir contra os mecanismos de segurança dessa prestação, a exemplo da estabilidade? Uma reforma pode abrir caminho fértil para eventuais abusos e atos de corrupção? Esta proposta segue em ataque frontal à sociedade brasileira, pois o que se espera do serviço público é este que seja realizado com eficiência por pessoas compromissadas com a coisa pública, independentemente do matiz ideológico do governo da vez. Por onde anda a razão da PEC 32? No achismo e afã politiqueiro dos Chicago Boys brasileiros?
Se uma reforma administrativa está imbricada à dimensão do problema que se deseja reduzir, não é através do discurso de redução do Estado, do desmonte do texto constitucional relativo ao serviço público nacional; não é abrindo deliberadamente folgas no que a Constituição petrificou, sob o argumento falacioso de redução de gastos, mas se voltando ao cerne do problema nacional, a sua crise de governabilidade.
Precisamos de melhoras na efetividade da prestação do serviço público, é fato. É preciso remodelar o serviço público, porque ele está para servir à sociedade, ora global, digital, dinâmica, contudo preservando a universalidade, impessoalidade e, sobretudo, profissionalizando-o. Não em deliberada chacina de seus princípios básicos como o lança chamas da bestial Quimera. A trajetória da PEC 32 é nesse sentir, completamente motivada por projeto de governo que ao impermanente pretexto de redução de gastos, cuidará mais uma vez de desconstruir o Estado, pois, a exemplo de tempos caóticos de outrora Fi-lo, porque qui-lo!
Neste mês de março, mês em que honramos a luta das mulheres, o Supremo Tribunal Federal (STF), de maneira unânime, tornou inconstitucional a tese jurídica de legítima defesa da honra em crimes de feminicídio, sob pena de anulação do processo. A decisão do Supremo, além de ser uma reparação histórica, diz muito sobre o quanto ainda precisamos evoluir como sociedade.
O direito de matar em defesa da honra foi expurgado da legislação brasileira no Código Criminal do Império, em 1830. Uma prática medieval que subjugava mulheres as colocando na condição de propriedade masculina. De lá pra cá, a evolução como sociedade é exponencial e é inconcebível que alguns pensamentos ainda remetam à época. Conceitos de 1830 deveriam ficar em 1830.
E nem precisamos ir tão longe. Em 1976, o empresário Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, matou a socialite Ângela Diniz. No primeiro julgamento, a tese jurídica de legítima defesa da honra – usada pelo então defensor, o jurista Evandro Lins e Silva, – invadiu os noticiários, o imaginário popular e foi bem sucedida; Doca foi absolvido. Conceitos de 1970 que deveriam ter ficado em 1830.
Agora, em 2021, é impensável que os arcabouços arcaicos que sustentam a tese jurídica ainda sejam usados em tribunais de júri. Um argumento bárbaro, carregado de misoginia, em que a vítima é colocada no banco dos culpados. Culpada, às vezes, por ter decidido não se submeter mais a um relacionamento violento. Culpada por escolher a liberdade de ser quem é.
É tão inimaginável que, para ratificar o cabimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 779, os autores tiveram de aditar um levantamento de casos em que tribunais do júri absolveram culpados de crimes de feminicídio em julgamentos nos quais a tese da legítima defesa da honra foi usada. A partir de agora, então, o STF brecou: não há amparo legal para o argumento.
Não é uma decisão simples. Sob o prisma de um olhar raso, a determinação parece cerceamento do direito de defesa, feita por advogados que se esforçam para atender plenamente seus clientes. Mas, fato é, que o argumento nasce no machismo, certas vezes, até inconsciente do defensor. Que a advocacia brigue por um julgamento justo, por nenhum dia a mais de pena, mas que lute sem ofender ou depreciar a memória das vítimas, sem insinuar que elas “fizeram por merecer”. A vida é direito incondicional e a decisão de quem a merece não cabe a nós, humanos. Conceitos da advocacia de 1830, usados em 1970, e, infelizmente, ainda sendo discutidos em 2021.
As palavras do ministro relator, Dias Toffoli, explicitam perfeitamente o problema: “a chamada ‘legítima defesa da honra’ corresponde, na realidade, a recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil”.
O machismo estrutural é realidade. Nesta pandemia, ficou ainda mais evidente. Segundo a 14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, só no primeiro semestre de 2020, foram 648 vítimas de feminicídio, aumento de 1,9% em relação ao mesmo período de 2019. No ano, foram registradas mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher no Ligue 180 e no Disque 100. Do total, 72% (75,7 mil denúncias) são referentes à violência doméstica e familiar contra a mulher. Essas são as cruéis estatísticas da realidade brasileira.
O machismo mata. No Brasil, diariamente. E um argumento jurídico não deve ser usado para respaldar tal violência. Diante de um cenário devastador em que muitas mulheres são prisioneiras dentro de casa, dormindo e acordando com medo, a decisão do STF traz esperança, colocando um fim a essa prática humilhante. Que as mulheres não se calem, que as instituições não silenciem suas vozes, que a advocacia modernize seus métodos e que agressores não tenham êxito em sua perversidade.
Vicente Martins Prata Braga, presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape), procurador do Estado do Ceará e doutorando em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP)
Por Carla Von Bentzen, Procuradora do Estado de Goiás
Publicou-se na quarta-feira de cinzas o decreto de aposentadoria do desembargador Francisco Vildon. É a segunda aposentadoria de um membro do Tribunal goiano neste ano, tendo a vaga de Olavo Junqueira sido preenchida pelo critério de antiguidade, com a escolha de Maurício Porfírio.
Atualmente, apenas oito mulheres compõem o Tribunal de Justiça, de um total de 42 membros, correspondendo a apenas 19,04%. A última mulher nomeada foi em 2014, com a escolha de Sandra Regina Reis, tendo sido, desde então, nomeados outros nove homens. O ingresso na magistratura é através do concurso público, mas a proporção de acesso não se reflete quando se ascende na carreira.
Dados do Conselho Nacional de Justiça indicam que em 2019 o Brasil contava com 39,3% de juízas de primeiro grau e 25,7% de desembargadoras. Apenas três mulheres foram nomeadas ao Supremo Tribunal Federal em 130 anos. Nos Tribunais Superiores, mulheres ocuparam apenas 13,3% das vagas abertas na última década, sendo que nenhuma delas é negra.
Esses números refletem aquilo que se convencionou chamar de teto de vidro: embora 50,64% da população brasileira sejam do sexo feminino, essa proporção não se reflete na ocupação de cargos de poder. Contudo, a cada oportunidade que surge é possível transformar a realidade, com a nomeação de mais mulheres, sendo, no caso específico do Poder Judiciário, que essa escolha recaia não somente através da antiguidade na carreira, mas também por critério de merecimento, assim como se fez em outras ocasiões, quando vários juízes ascenderam ao Tribunal.
A desigualdade de gênero é pauta da agenda diária, já que provoca um impacto de 12 trilhões de dólares, correspondente a 16% do produto interno bruto global, segundo dados da OCDE. Ademais, a busca por efetividade dos direitos, tarefa realizada diariamente pelo Judiciário na composição de conflitos, deve ser analisada não somente através das decisões que profere, mas também pelo modo de escolha de sua composição.
Ao final, dirão, contra-argumentando esta singela constatação, que não se deve interferir em assuntos internos da Corte goiana. Entretanto, apenas se espera que em Goiás se escutem os teus sinais; pois a desigualdade de gênero no Tribunal goiano é numericamente comprovada. Resta saber quais serão as medidas para revertê-la.
Definidas as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, eis que podemos dizer: 2021 começou. A partir de agora, o foco está na superação dos gigantescos desafios que o Brasil tem à frente. Que os presidentes eleitos –o deputado federal Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG)– tenham sabedoria para contribuir com o equilíbrio político, social e econômico que o país tanto necessita.
Nas duas cadeiras, dois advogados. Além da conhecida habilidade política dos eleitos, ambos têm notório saber jurídico, o que, certamente, será primordial na condução dos trabalhos das casas legislativas federais. A partir do amplo conhecimento que possuem das leis brasileiras e da Constituição Federal, a expectativa é de um trabalho sereno, célere, assertivo e pautado na defesa do estado democrático de Direito.
Certamente, não será fácil. Os empecilhos são muitos. No ano passado, o Brasil alcançou números desanimadores: cerca de 27 milhões de pessoas em pobreza extrema; 14,1 milhões de pessoas sem acesso a renda; recorde de endividamento dos municípios (R$ 13,31 bilhões acumulados desde 2016); crescimento de 87% dos pedidos de falências de empresas em 2020; entre outros.
Portanto, é hora de o Congresso trabalhar em busca do equilíbrio, entre si e com os demais Poderes, para todos nós, servidores do Brasil, juntos, tirarmos o país dessa desoladora situação. O momento é de união, e não de polarização. É um alento vê-los firmando “um compromisso de trabalho conjunto, harmônico e colaborativo em todos os temas que possam facilitar e ajudar os brasileiros na superação do drama da pandemia”.
A covid-19 escancarou uma das realidades mais cruéis deste país: os ricos ficaram ainda mais ricos, e os pobres, completamente miseráveis. Apesar do espaço reduzido no orçamento público para novas rodadas de auxílio emergencial, é preciso que a agenda legislativa olhe com compaixão para esse fosso de desigualdade social e encontre meios para equilibrar as contas públicas –sem extrapolar o teto de gastos– e acolher os vulneráveis, a camada mais afetada pela pandemia.
A lista de projetos prioritários é extensa. Teremos à frente reformas importantes, como as PECs Emergencial, dos Fundos Públicos e Pacto Federativo, além de projetos com capacidade para alavancar a economia e gerar renda. Ademais, urge uma simplificação tributária. A expectativa é de que tais assuntos primordiais sejam trabalhados com afinco e responsabilidade, passando pelo diálogo entre as instituições, analisando as especificidades de cada uma delas, para que as melhores soluções sejam encontradas e a sociedade receba o retorno que tanto merece.
É preciso ampliar horizontes, reconquistar o prestígio internacional e atrair investidores. A aposta em privatizações e concessões é certeira, entretanto, é necessário corrigir distorções que têm causado insegurança jurídica. Além da instabilidade política, o descumprimento de leis e contratos, especialmente no setor de infraestrutura e abastecimento, têm aumentado sobremaneira o custo-Brasil. Como estudiosos da legislação brasileira, Lira e Pacheco, certamente, têm muito a contribuir para levar o país do campo da incerteza à prosperidade.
E, para que tudo isso seja feito com cautela e efetividade, é fundamental o compromisso público a respeito da imunização. Quanto mais avançarmos nas campanhas de vacinação, e com a maior eficácia, mais vidas serão preservadas e, consequentemente, maiores são as chances de uma sólida recuperação econômica.
A missão é complexa, mas os representantes eleitos no Congresso estão preparados para a responsabilidade. Começa agora a caminhada por novas trilhas, estradas que levam a um novo Brasil, um Brasil que ressurgirá gigante, ampliando oportunidades, diminuindo desigualdades e respeitando a diversidade.
Recentemente, noticiou-se casos de partidos políticos que não respeitaram o porcentual mínimo de 30% de candidaturas, exigido pela legislação eleitoral, para o gênero oposto ao da maioria. As razões para o seu descumprimento seriam várias.
Já faz alguns séculos que a sociedade debate a importância da mulher nos espaços de poder. Estudos mostram que a ausência delas nas legislaturas anteriores e seu avanço caminham lentamente: estamos na posição 140 de mulheres nos parlamentos, entre 190 países pesquisados por órgão ligado às Nações Unidas. Considerando o estágio atual, seriam necessários mais de 170 anos para se alcançar a igualdade.
Por força desse cenário, organismos internacionais afirmam que criar um mundo onde meninas e mulheres desfrutem dos seus direitos humanos é um dos desafios mais determinantes e urgentes deste século. A fim de se alcançar esses objetivos foram realizadas inúmeras modificações na legislação.
Acontece que a cada avanço, especialmente no que diz respeito aos direitos das mulheres, observa-se um retrocesso, fato observado na eleição deste ano, em que, para cargos majoritários, apenas uma mulher foi eleita para uma capital no país. Por isso, garantir porcentual mínimo não se mostrou suficiente; era preciso garantir a destinação de recursos para financiamentos das campanhas, fato que ocorreu com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral em se destinar a cota proporcional do fundo partidário.
Sem fomento, a competição sempre será desigual. Contudo, a mudança na legislação, por si, não garante imediatamente a alteração da realidade a que se propôs. É preciso estar atento às tentativas de se burlá-la, como se qualquer justificativa fosse plausível, enfraquecendo o intuito que se buscava ao garantir uma reserva mínima de vagas e de recursos.
Ora, ninguém foi pego de surpresa; não se decidiu da noite para o dia aquele porcentual de mulheres e os valores para candidaturas delas. Os partidos tiveram tempo para garantir o respeito à legislação.
Assim, é imperioso que o Judiciário faça valer os inúmeros esforços para garantir a presença das mulheres nos espaços de poder. E é preciso ainda que ela seja breve; do contrário, será apenas denegação de justiça e retrocesso, com a busca da construção de uma sociedade plural e, acima de tudo, democrática. Com a caneta, nossa justiça eleitoral.
Por Juliana Diniz Prudente, Procuradora-Geral do Estado de Goiás
Neste dia 11 novembro, dia do Procurador do Estado de Goiás, a Procuradoria Geral do Estado comemora também o seu aniversário de 56 anos.
A PGE tem a função de servir o Estado, permitindo, pelas vias legais, que o serviço público alcance a sociedade. É um serviço que, às vezes, não é notado diretamente pelo cidadão, porque é prestado aos diversos órgãos e poderes, mas assegura que os recursos públicos se multipliquem nas diversas ações estatais com eficiência, transparência e rapidez.
Estamos presentes em todos os 21 órgãos e 12 entidades da Administração Direta e Indireta do Estado de Goiás, garantindo segurança jurídica à atuação dos gestores públicos e a execução das políticas públicas. E, com o viés de conciliação e de reconhecimento dos direitos do administrado, buscamos praticar a mais completa advocacia da cidadania.
Durante o período de pandemia, o esforço e dedicação dos procuradores do Estado resultaram em sensível incremento da produtividade da PGE, prova do nosso compromisso institucional e social.
Para ter uma ideia, de janeiro a outubro deste ano, só com a representação do Estado nas demandas tributárias, a PGE arrecadou mais de R$ 120 milhões de créditos ajuizados, valor superior ao de 2018. Na área trabalhista, no mesmo período, a atuação da PGE gerou economia de R$ 18 milhões.
E no dia de hoje rendo homenagens aos meus colegas pelo serviço de excelência prestado à nossa sociedade e registro minha gratidão pelo apoio e comprometimento pessoal. Igualmente importante é honrar o passado, os procuradores do Estado aposentados que contribuíram para a credibilidade e para a posição de destaque de nossa instituição. Afinal, todas as nossas conquistas são fruto da nossa unidade.
Ágil, moderna e eficiente, a Procuradoria-Geral do Estado de Goiás se empenha na busca por resultados, aproximando-se cada vez mais da desafiadora missão de uma nova advocacia pública. Ter a ousadia de romper com a postura tradicional, sem desconsiderar a experiência conquistada e em busca de novas mudanças, sempre com foco no cidadão e no interesse público. Não se pode mais admitir ação sem resultado, trabalho sem produção e gasto sem retorno.
A eficiência repousa na busca incessante por resultados positivos e que justifiquem a movimentação da máquina administrativa. Hoje, a cultura que move a PGE é a da menor intervenção em busca dos maiores resultados.
Os desafios são constantes para acompanhar a evolução e os anseios sociais, mas temos o melhor recurso disponível para superá-los: nós, procuradores e servidores, que formamos esta instituição e damos a ela identidade. E é justamente com o trabalho em equipe, harmonioso e contributivo, que alcançaremos os melhores resultados para nossa sociedade.
Procuradora do Estado de Goiás, Adriane Nogueira Naves Perez, Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela UCAM e Pós-graduada em Filosofia pela UFG, assina artigo publicado na Revista da Escola Judicial de Pernambuco (Página 191, Volume 26, nº 50 – janeiro/junho 2020).
No artigo Reflexões sobre o Ideal Aristotélico de Justiça, a Procuradora discorre sobre o entendimento do filósofo sobre justiça, sua teleologia, as principais características desta virtude em especial, bem como os conceitos de justiça geral e particular, de acordo com o que consta na obra de Aristóteles, especialmente no livro V da Ética a Nicômaco – Tratado da Justiça.
O ano de 2021 exigirá do futuro prefeito de Goiânia e dos vereadores da nova legislatura um esforço acrescido para a aprovação ou modernização de, ao menos, oito códigos ou planos que estão defasados ou simplesmente não existem, como já foi noticiado pelo POPULAR.
As necessidades de atualização de políticas públicas e de marcos regulatórios recaem sobre o Código Tributário, a Lei de Resíduos Sólidos, o Código de Edificações e o Plano Diretor do Município de Goiânia. De outro lado, devem ser editados um Código Ambiental e os planos diretores de Iluminação Pública, Arborização, Saneamento e Drenagem Urbana.
De comum em todos estes casos? O correto e esperado exercício do poder normativo por parte da municipalidade, de modo a evitar os abusos de direito, as regulações ineficientes, as restrições indevidas à concorrência, às liberdades e ao patrimônio dos particulares, a intervenção descabida e o aumento dos custos de transação nas atividades econômicas.
A sociedade civil organizada e os grupos e segmentos empresariais devem estar atentos aos movimentos do poder político e dos atores governamentais, e isso por uma razão fundamental: a participação democrática e o envolvimento nas discussões acerca do conteúdo de atos normativos são essenciais à construção colaborativa de bons modelos legais e regulamentares, aptos à produção de resultados úteis à coletividade, notadamente para o desenvolvimento econômico e a geração de emprego, renda e oportunidades.
Inestimáveis, portanto, podem ser as contribuições da classe empresarial, mediante a apresentação de números, dados, evidências e informações nem sempre alcançados pela burocracia pública, que, não raro, se movimenta às escuras, sem saber de onde parte nem aonde quer chegar. Em ambientes opacos e de forte cultura administrativo-burocrática, a influência externa na elaboração de instrumentos legislativos funciona como um prezável indutor da agenda de políticas públicas, algo, portanto, que não deve ser minimamente negligenciado pelos atores econômicos, especialmente para o tão almejado momento pós-pandemia.
Daí ser fundamental que do aperfeiçoamento do processo de elaboração de instrumentos normativos que repercutirão em atividades econômicas privadas participem atores sociais relevantes e com adequada representatividade, tendo em mira a construção de intervenções públicas mais adequadas ao enfrentamento e à solução dos problemas vivenciados pelo município de Goiânia, contribuindo, assim, para a racionalidade administrativa e o incremento de bem-estar social.
José Humberto P. Muniz Filho Procurador do Estado do Tocantins
Da vereda do “ser” à “Pedra do Reino”
Aos que não leem: digam-lhes que as contas públicas – de fato – vão mal; digam-lhes que a soma de prestações positivas e negativas atribuídas ao Estado não é de soma zero, mas uma equação de crenças exógenas sem resultado, em um emaranhado de prejuízos; digam-lhes que o Estado é um “litigado” frívolo pela frivolidade de outros.
Eis o “ser”. Um Estado marcado pelo conflito, pela sensação de que todos mandam, de que ninguém obedece e do Executivo a que tudo se atribui.
Neste ponto, o Executivo deixa de ser uma LTDA. e se lança a uma abertura de capital repentina, que o torna uma S.A.. Agora, o affectio societatis é diluído. O interesse em lucros, dividendos, juros sobre o capital próprio, anteveem às obrigações do modelo primevo – tudo isso, em maior parte, levado pelos “sócios”, e não pelos “administradores”.
A vereda é estreita e espinhada por burocracia, reformas, “reformas”. Por certo, reformas de palavras não importam tanto como o que elas contam ao final – no todo. Assim como os números. Estes sempre “contam” e complicam, como um relatório de gestão fiscal (RGF) ou um demonstrativo de resultado do exercício (DRE).
Entre o “ser” e a vereda, o advogado público, ou, advogado de Estado.
Na sua essência, a advocacia de Estado é instrumento de concretização do Estado de Direito no cotidiano dos Entes, dos agentes, dos órgãos e da burocracia como um todo.
No Brasil real, maravilhoso e fantástico, de Machado, teriam os advogados de Estado o espírito cavalariano daqueles que se embrenham na caatinga com resiliência, valentia, humildade e coragem. Seriam, inclusive, verdadeiros “generalistas das ciências humanas”, como se referia J.J. Calmon de Passos a certos espécimes.
No Brasil formal, caricato, adornado, também de Joaquim Maria, seriam os players do mercado, os agentes de orientação e representação do Estado, os executores da procuratura dos Entes, nos dizeres do Mestre Diogo.
Para não ser mais do mesmo ou peça de museu de grandes novidades, a síntese do real ao formal, do advogado de Estado, conflui no espírito político, na capacidade de teorização, no senso de realidade e na perspicácia econômica de sua atuação.
O produto desta operação mostra a eficiência da advocacia de Estado, na administração dos reclames ao (e do) Poder Executivo.
Hoje, o maior desafio técnico da advocacia de Estado é a sua perspicácia econômica.
Em uma “S.A.”, os “direitos” e “bonificações” dos seus players são critérios de análise fundamentalista prescindíveis quando vultuoso e justificável o volume de resultado. O problema não está nessas rubricas. Aliás, o problema não é de per si, mas de dever ser, de dormitar.
O advogado de Estado é agente econômico racional imediato do Poder Público. Prevenção e litigiosidade são números em orçamentos, despesas e dívidas postos em jogo sob uma “matriz de risco” volvida pelas Procuradorias, as quais ponderam o sucesso do empreendimento jurídico e os custos aportados.
O advogado de Estado exerce economia. Não só sob a cantilena de ajuizamento de “x” milhões de reais em execução fiscal, bloqueios, da direção jurídica de autarquias (como recentemente se pacificou no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade/ ADI nº 4.484), gestão de precatórios ou patrimônio do Ente, controle interno, mas economia em sentido refinado. A economia cuida da otimização e eficiência da alocação dos recursos escassos, fê-la da maximização das preferências pessoais dos agentes, de suas interações e decisões.
A seu turno, as veredas diárias da advocacia de Estado têm, em comum, os cactos da escassez de recursos e as cobranças por resultados que demandam decisões e atos concertados. Exige-a, pois, escolhas racionais, economicidade e dinamismo. Acontece que, de sobremodo, a base da teoria econômica moderna vem da teoria da escolha racional e dos seus três pilares: as preferências naturais do agente econômico (ou seu representado); a completude, que traduz a capacidade de ordenar essas preferências; e, por último, a compatibilidade lógica e o poder de maximização daquelas, que é a transitividade.
Muito de burocratas são apregoados, pouco de estadistas e nem com picardia são pensados como agentes econômicos, os advogados de Estado. Contudo, no desempenho da advocacia de Estado, há análise de custos-benefícios (e.g., dispensa de recursos, estruturação e modelagens de parcerias público-privadas/ PPPs, etc.); análise de comportamentos estratégicos (parâmetro da teoria dos jogos), em especial em demandas repetitivas (e.g., questões de pessoal, data-base, progressões, etc. – matérias comuns aos feitos das procuradorias) e pontuais (como a tutela do equilíbrio atuarial em ações de ressarcimento de institutos de previdência, bem como tutela dos instrumentos econômicos ambientais); construção de um ambiente de negócios favorável aos players de mercado, com criatividade e utilitarismo (e.g., segurança na modelagem jurídica de licitações comuns, concessões, seja por meio de pareceres ou atuação em Cortes de Contas).
O julgamento do Recurso Especial nº 870.947/SE é exemplo festivo da posição econômica aqui trabalhada. O decisum e sua série de embargos declaratórios escrutinaram toda a sistemática de índices de juros e correções nas condenações em face da Fazenda Pública.
Por falar em números, a declaração de inconstitucionalidade da TR como índice de correção e a negativa de modulação dos seus efeitos (análise do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997), no ED-Quatro do RE nº 870.947/SE, cujo Acórdão foi publicado em 03/02/2020, contabiliza um diferencial de perda que supera 320%, em certos casos, quando aplicado o IPCA-E nas condenações genéricas (excluídas as tributárias, em regra, as quais variam com o índice utilizado na cobrança).
Por exemplo, no ano contábil de 2016 (jan/dez), o acumulado do IPCA-E foi em torno de 6,4%, enquanto que a TR/Bacen ficou pouco abaixo de 2% no mesmo período (próxima a 1,9944%). Assim, em uma condenação hipotética de um milhão de reais, a Fazenda passa a pagar pela correção, no período ilustrado, R$ 64.000, ao invés de R$ 19.944.
Qual é a importância desses cálculos e a relação com a ideia de escolha racional dos advogados de Estado? Estes profissionais devem se apropriar das prioridades, preferências e completude dos cálculos e da sua atuação a fim de orientar os demais integrantes da Administração Pública, sobretudo do Executivo, na gerência de conflitos, dispensa de recursos, políticas de acordo, implementação de políticas públicas, segurança jurídica e adimplementos dos seus contratos, etc. – todo o engodo econômico próprio de consultores financeiros.
Ainda no espectro econômico, aparece uma situação curiosa própria das idiossincrasias do foro. No Estado do Tocantins, o seu Tribunal de Justiça entendeu “por bem” editar a Recomendação nº 004/2020, cujo objeto “sugere” às Fazendas Públicas “executadas” a apresentação “espontânea”, ao cabo de ato ordinatório de intimação, de memorial dos cálculos, no prazo de 30 dias, tendo como fundamento o art. 526 do Código de Processo Civil (CPC).
Primeiro, sob premissas econômicas, o “preço de reserva” em inaugurar um cumprimento invertido ou apresentar cálculos é calculado pelo Executado, que já é devedor – vetor econômico-comportamental básico de qualquer negócio.
Segundo, olvidou-se o comando “impositivo” (sic) do art. 534 do CPC, que fixa a obrigação do exequente a apresentar demonstrativo de cálculos.
Enfim, nobres senhores e damas gentis, das veredas da caatinga à Pedra do Reino, de Dom Ariano Vilar Suassuna e Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, Dom Pedro IV, o “decifrador”, cabe à advocacia de Estado não se forjar, compreender, mostrar e esperar o seu papel nessa epopeica e bandeirosa caminhada de concretizar (ainda mais) políticas públicas e sociais formuladas pelo (e para) o real, não amuralhadas ou afugentadas por idealismos, mas com números e responsabilidades, no equilíbrio dos Três Poderes “ou dos Três Reinos, que, lá na epopeia de Suassuna, foram os Reinos do Cariri, da Espinhara e do Pajeú”, ainda que se recaia na ambivalência de economistas, CEO’s, contadores ou cronistas.
A criação do Parque Estadual Águas do Paraíso, no nordeste goiano, conforme decreto assinado pelo governo do Estado de Goiás em 11 de setembro, justamente no Dia do Cerrado, é um dos melhores exemplos da responsabilidade do Estado em relação ao meio ambiente. O ato em defesa deste bioma é resultado do esforço conjunto de vários entes e órgãos públicos, entre eles a Procuradoria-Geral do Estado, que mais uma vez agiu com eficiência para conferir segurança jurídica e defender o Estado em juízo.
A expansão das fronteiras agrícolas, o desmatamento ilegal, as queimadas, a desobediência às normas federais e estaduais acerca dos recursos hídricos e minerais têm comprometido a diversidade ambiental no Centro-Oeste em geral e, em particular, no nordeste goiano. Os impactos da exploração não-sustentável dos recursos naturais são inúmeros e incontestáveis e, a despeito de controvérsias e debates entre segmentos diferentes da sociedade acerca do tema, é dever do Estado, como protagonista na defesa do interesse público, agir com responsabilidade, equilíbrio e proatividade, levando em consideração não apenas o momento atual, mas os interesses das futuras gerações.
A Procuradoria-Geral do Estado foi determinante nessa conquista, com atuação de várias de suas divisões: Procuradoria Judicial, Procuradoria de Defesa do Patrimônio Público e do Meio Ambiente, Procuradoria Setorial na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e Assessoria do Gabinete da Procuradora-Geral do Estado.
Por um lado, garantido judicialmente a realização, em formato virtual, da audiência pública que é uma das etapas indispensáveis para a criação desse tipo de unidade de conservação de proteção integral. Por outro, dando a segurança jurídica necessária ao procedimento administrativo, como a doação da área pelo INCRA ao Estado de Goiás.
Neste contexto, a criação desta unidade de conservação deve ser comemorada como uma vitória histórica. Após tratativas que remontam há 20 anos, o Parque será gerido de forma compartilhada pelo governo de Goiás e pela Prefeitura de Alto Paraíso e abrangerá uma área de aproximadamente 5 mil hectares, na região turística das Cataratas do Rio dos Couros. A estruturação para que a unidade de conservação saísse do papel é amparada por lei nacional de 2011, que fixou normas para a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e municípios nas ações administrativas de proteção ao meio ambiente.